No
ano anterior, o escritor uruguaio havia recebido uma bolsa para estudar em
Paris. Em outubro, no “ Formose”, viaja para a Europa e, no dia 8 desse mês, o
navio aporta no Rio de Janeiro onde faz uma escala. Chegou à noite e dois dias
depois, Felisberto Hernández escreve algumas linhas que fazem parte do Diario de un sinvergüenza y últimas
invenciones, publicado pela Arca de Montevideu, em 1974.
Fala
primeiro das luzes vislumbradas, filas
bem alinhadas e, também de outras, semeadas
caprichosamente, das formas escuras dos morros, como grandes lobos de mar ou como animais antidiluvianos, deitados na baía e meio cobertos pelas águas”.
No dia seguinte, um amanhecer cinzento que fazia com que a paisagem parecesse
suja, percebe arranha-céus e, entre eles, os morros com ruas de terra e casas
velhas; noutros morros, as casas estavam amontoadas como pessoas pobres com cores desbotadas. Na beira do cais, vê
muita gente que generaliza – são pequenos e escuros – o que não o impede de
observar detalhes: chapéu de palha cor de rosa de um, boné preto de jóquei de
outro. Quando começa o chuvisqueiro, se fixa nos guarda-chuvas semelhantes, no
seu entender, a flores negras,
artificiais e sujas.
Realmente
sujo, o bonde que tomou ao desembarcar e do qual lhe chamou a atenção a forma
como eram cobradas as passagens: uma espécie de relógio, colocado diante dos
passageiros e que marcava o número daquelas que iam sendo pagas. Para cada uma, um golpe de sineta que não
soava da mesma forma quando era solicitada uma parada. Da Cidade Maravilhosa,
então, somente ficaram registrados esses poucos traços da paisagem, essa
curiosa maneira de cobrar o bonde e esses tipos humanos com os quais teve
contato: aquele que lhe conferiu o passaporte ( um brasileiro pequeno, nervoso, negrusco e enrugado) e esse outro que
lhe vendeu e aos seus acompanhantes, a passagem no bonde (pequeno, negro, de cara desfeita). Impressões do dia 10 de outubro
e que irão se acrescentar àquelas que escreveu na manhã anterior, numa carta em
que diz estar na baía do Rio de Janeiro,
de onde, entusiasmado, afirma que o “espetáculo
é o único verdadeiramente fantástico no
mundo. Lastima que os destinatários
da carta não possam ver o que nenhuma fotografia é capaz de reproduzir: as montanhas apareciam como imensos fantasmas,
mas é tal a variedade nas surpresas, nas dimensões, nos espaços iluminados em
formas tão inesperadas que se está o tempo inteiro com a pele eriçada.
Na
verdade, como diz Norah Giraldi de Dei Cas, as cartas a sua mãe deveriam,
também, fazer parte desse diário de viagem que Felisberto Hernández pretendia
elaborar e que, em relação ao Brasil, se constituiu apenas desses pequenos textos. Textos que mostram o
escritor em dois momentos: um, em que observa e se atém ao que vê e, o quê
vê, não o entusiasma. É o que irá
escrever nas suas notas de viagem; o outro, o da emoção, quando se deixa
impressionar pela paisagem do Rio de Janeiro a ponto de sentir a pele eriçada e
disso faz confidência, em carta, à família.
É
um efêmero olhar cambiante que deixará entrever como que duas cidades: uma acinzentada e a
outra, radiosa. Sem dúvida, um breve testemunho de uma breve experiência pois o
navio parte e o Brasil continuará a ser para ele um desconhecido. Assim, como
sua grande obra magistral ficará
desconhecida dos brasileiros.
É
que as fronteiras do Continente parecem sempre fadadas a serem intransponíveis.

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