No
dia 30 de abril de 1982, na hora da sesta, um contingente, fortemente armado,
irrompeu na casa e sem explicações ou considerações, embarcou Augusto Roa
Bastos, sua companheira grávida e o filho pequeno, numa caminhonete e os levou
para a fronteira. Eles eram, assim, expulsos do Paraguai pela vontade escura de
seu déspota de então.

Haviam
chegado ao país, vindos da França onde viviam, no mês de março, inclusive com a
vontade de registrar o menino no Registro Civil paraguaio. Foram recebidos com
alegria e o escritor requisitado, convidado, entrevistado, festejado pelos seus
conterrâneos. Mas, no Registro Civil lhe disseram que não podiam registrar o
filho de um apátrida. E, apátrida, sem documentos, foi, por mais de um ano,
Augusto Roa Bastos. Porque seu próprio país lhe negava os documentos a que
tinha direito até que, em 1983, a Espanha lhe concede nacionalidade espanhola.
Num artigo, publicado no El País, “Nacimiento
de un ciudadano”, ele fala da sensação de nascer como cidadão livre num país
livre. Tinha sessenta e seis anos dos quais trinta e seis vivendo no exílio.
Primeiro, em Buenos Aires onde se refugiou para não ser preso no seu país e de
onde teve que partir quando se iniciou, na Argentina, a guerra suja, para não se candidatar, como disse, a ser um
desaparecido. Foi para a Europa que não apenas lhe ofereceu condições de
trabalho como a cidadania, negada no país em que nascera.
No
entanto, é no seu país que desejaria Augusto Roa Bastos finalizar os seus dias,
como diz a Ruben Bareiro Saguier, na entrevista
que deu origem ao livro Augusto
Roa Bastos (Montevidéu, Trilce, 1989), trabalhando como professor primário
na pequena escola de seu povoado.
Talvez,
nesse momento, o seu desejo fosse uma utopia porque retornar ao Paraguai lhe
estava proibido mas, por outro lado, o país sempre estivera presente para ele,
quando escreveu El trueno entre las hojas, num sótão de Buenos Aires ou as demais obras, no lento caminho do
exílio que foi percorrendo. Presente, sempre, essa terra vermelha que viu desaparecer do avião que o afastava de
Assunção, paisagem do país da profecia e
do mistério que lhe ficou gravada. Tanto, que seu primeiro livro de contos
nasce sob a égide de uma lenda indígena: O
trovão cai e fica entre as folhas. Os animais comem as folhas e ficam
violentos. Os homens comem os animais e ficam violentos. A terra come os homens
e começa a rugir como o trovão.
Espécie de síntese do que serão seus relatos: a natureza a devorar seus filhos,
os próprios homens a se destruírem numa sociedade primitiva e bárbara.
Compromete-se
Augusto Roa Bastos com essa realidade, a de seu país, jogando-se, assim, numa
criação, perfeitamente, revolucionária. E os que se crêem donos do país não o perdoam e,
então, qualquer pretexto é válido para justificar uma perseguição.
Em
1982, foi acusado de ter viajado a Cuba duas vezes, o que não era verdade; foi
acusado de tentar influenciar a juventude paraguaia na direção do comunismo o
que tampouco era verdade, porque Augusto Roa Bastos jamais se prendeu a dogmas,
a partidos. O compromisso que assumiu foi com o homem que, no seu país, é, sobretudo, um
injustiçado. E por ele e por suas verdades, é que escreve.
Então,
os sombrios e escusos donos do Poder o expulsam de sua terra. Todavia, ele não
a esquece e, com suas mágicas palavras, a recria e nesse seu trabalho lhe
concede glórias.
Mas,
os esbirros do Continente, acreditando-se os seus eternos donos, se permitem
dessas glórias prescindir.
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