domingo, 12 de abril de 1998

Horacio Quiroga: o escritor das duas margens

           Em 1995, a Academia de Letras e os Diretores Associados publicaram, em Montevidéu, Horacio Quiroga por uruguayos, com seleção, prólogo e notas de Leonardo Garet: mais de quatrocentas páginas, contendo estudos sobre a vida e a obra daquele que é considerado um dos melhores contistas da América hispânica. Uma antologia imprescindível. Não apenas pelo excelente nível de alguns trabalhos, mas pelo fato de que esses textos jornalísticos, esses estudos, homenagens e prólogos, essas aproximações críticas seriam de difícil – por vezes quase de impossível – acesso, não tivessem sido reunidos por Leonardo Garet.

          São trabalhos publicados desde 1930 até 1994. Das décadas de 60, 70, 80 são a maior parte deles (muitos de 1887, cinqüentenário de morte de Horacio Quiroga) e alguns das décadas de 40, 50, 90. Os mais antigos são de 1930, data em que a maior parte da obra de Horacio Quiroga já havia sido publicada: “Horacio Quiroga narrador de cuentos” e “El consistorio del gay saber”.

          O primeiro foi escrito por Carlos María Princivalle. Comenta Arrecifes de coral, publicado em Montevidéu em 1901 e El crímen del otro , de 1904, Historia de un amor turbio  de 1908 e Cuentos de amor, de locura y de muerte, de 1917, publicados em Buenos Aires. Não concede valor ao livro de versos, considera El crímen del outro um livro mosaico, agrupando contos dos mais variados estilos, demonstrando que literariamente  Horacio Quiroga se encontrou, pois o conto será a sua linguagem. Ignora Los perseguidos, publicado em 1905 e, sobre Historia de un amor turbio diz tratar-se de  um ensaio de romance, um conto longo demais. Então, opina sobre Cuentos de amor, de locura y de muerte. Refere-se à temática – o patológico, o estranho, o autobiográfico, a natureza – e à obsessão de Horacio Quiroga pela profundidade e pela sombra. Conclui que os fortes e saudáveis ares da mata lhe deram a plena saúde artística, demonstrando não ignorar que o escritor já vivia retirado nas selvas de Misiones.

          Tratam-se de assertivas pertinentes e cordiais. Estranhas somente por ignorarem a quase dezena de obras de Horacio Quiroga, publicadas na Argentina até essa data. O mesmo irá acontecer no outro trabalho desse mesmo ano.

          Alberto Zum Felde, no seu livro Proceso intelectual del Uruguay, se refere ao “Consistorio del gay saber”(cenáculo que congregava por volta de 1901, jovens oficiantes das novas escolas literárias) onde pontificava Horacio Quiroga. De seu primeiro livro, Arrecifes de coral, diz que é funambulesco e extravagante e que a crítica o recebeu pouco menos que a pedrada. Mas, diz também, que nos poemas do livro fulguram relâmpagos e chispas de um talento original e profundo que irá revelar o melhor contista platense. O termo platense significa, no texto, as duas margens do Prata, as argentinas e as uruguaias. Dos contos  e dos romances de Horacio Quiroga, nada irá comentar. Mais adiante, o crítico se referirá ao fato de que Horacio Quiroga, radicado na Argentina e vinculado a seu ambiente literário de tal forma que nas crônicas e críticas é dado como argentino – e tendo ele aceitado tal cidadania intelectual – sua obra e sua personalidade não pertencem já à história de nossas letras.

          Sem dúvida, coerente com as suas omissões e com as de Carlos María Princivalle, eis a síntese de todo um sentimento em relação a Horacio Quiroga que, por algum tempo, o irá manter esquecido ou ignorado dos uruguaios. Daí, a valiosa contribuição de Leonardo Garet, demonstrando que houve um interesse por parte de seus compatriotas, que talvez tenha sido discreto, mas que é extremamente valioso conhecer.

            No entanto, se Horacio Quiroga viveu grande parte da vida na Argentina onde produziu, praticamente, toda a sua obra, com certeza é lá onde devem abundar juízos críticos sobre ela. Assim, quem sabe fosse oportuno pensar num “Horacio Quiroga por argentinos” para mensurar, também, a presença do escritor no país que ele – não se trata , agora, de discutir as razões – escolheu para viver e onde foi acolhido. Um acréscimo que seria sem dúvida bem-vindo. Evidentemente, supriria prejudiciais lacunas, possibilitando a aproximação mais ampla e profunda de uma obra que foi sendo reconhecida ao longo do tempo e hoje, nas duas margens do Prata, continua a despertar o interesse que seu inegável valor faz merecedor.

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