Em
1995, a Academia de Letras e os Diretores Associados publicaram, em Montevidéu, Horacio Quiroga por uruguayos, com
seleção, prólogo e notas de Leonardo Garet: mais de quatrocentas páginas,
contendo estudos sobre a vida e a obra daquele que é considerado um dos
melhores contistas da América hispânica. Uma antologia imprescindível. Não
apenas pelo excelente nível de alguns trabalhos, mas pelo fato de que esses
textos jornalísticos, esses estudos, homenagens e prólogos, essas aproximações
críticas seriam de difícil – por vezes quase de impossível – acesso, não
tivessem sido reunidos por Leonardo Garet.
São
trabalhos publicados desde 1930 até 1994. Das décadas de 60, 70, 80 são a maior
parte deles (muitos de 1887, cinqüentenário de morte de Horacio Quiroga) e
alguns das décadas de 40, 50, 90. Os mais antigos são de 1930, data em que a
maior parte da obra de Horacio Quiroga já havia sido publicada: “Horacio
Quiroga narrador de cuentos” e “El consistorio del gay saber”.
O
primeiro foi escrito por Carlos María Princivalle. Comenta Arrecifes de coral, publicado em Montevidéu em 1901 e El crímen del otro , de 1904, Historia de un amor turbio de 1908 e Cuentos de amor, de locura y de muerte, de 1917, publicados em
Buenos Aires. Não concede valor ao livro de versos, considera El crímen del outro um livro mosaico, agrupando contos dos mais variados estilos, demonstrando que
literariamente Horacio Quiroga se encontrou, pois o conto será a sua linguagem. Ignora Los perseguidos, publicado em 1905 e,
sobre Historia de un amor turbio diz
tratar-se de um ensaio de romance, um conto longo demais. Então, opina sobre Cuentos de amor, de locura y de muerte. Refere-se à temática
– o patológico, o estranho, o autobiográfico, a natureza – e à obsessão de
Horacio Quiroga pela profundidade e pela sombra. Conclui que os fortes e saudáveis ares da mata lhe deram
a plena saúde artística, demonstrando
não ignorar que o escritor já vivia retirado nas selvas de Misiones.
Tratam-se
de assertivas pertinentes e cordiais. Estranhas somente por ignorarem a quase
dezena de obras de Horacio Quiroga, publicadas na Argentina até essa data. O
mesmo irá acontecer no outro trabalho desse mesmo ano.
Alberto
Zum Felde, no seu livro Proceso
intelectual del Uruguay, se
refere ao “Consistorio del gay saber”(cenáculo que congregava por volta de
1901, jovens oficiantes das novas escolas literárias) onde pontificava Horacio
Quiroga. De seu primeiro livro, Arrecifes
de coral, diz que é funambulesco e
extravagante e que a crítica o recebeu pouco
menos que a pedrada. Mas, diz
também, que nos poemas do livro fulguram relâmpagos
e chispas de um talento original e profundo
que irá revelar o melhor contista
platense. O termo platense
significa, no texto, as duas margens do Prata, as argentinas e as uruguaias.
Dos contos e dos romances de Horacio
Quiroga, nada irá comentar. Mais adiante, o crítico se referirá ao fato de que
Horacio Quiroga, radicado na Argentina e vinculado
a seu ambiente literário de tal forma que nas crônicas e críticas é dado como
argentino – e tendo ele aceitado tal cidadania intelectual – sua obra e sua
personalidade não pertencem já à história de nossas letras.
Sem
dúvida, coerente com as suas omissões e com as de Carlos María Princivalle, eis
a síntese de todo um sentimento em relação a Horacio Quiroga que, por algum
tempo, o irá manter esquecido ou ignorado dos uruguaios. Daí, a valiosa contribuição
de Leonardo Garet, demonstrando que houve um interesse por parte de seus
compatriotas, que talvez tenha sido discreto, mas que é extremamente valioso
conhecer.
No
entanto, se Horacio Quiroga viveu grande parte da vida na Argentina onde
produziu, praticamente, toda a sua obra, com certeza é lá onde devem abundar
juízos críticos sobre ela. Assim, quem sabe fosse oportuno pensar num “Horacio
Quiroga por argentinos” para mensurar, também, a presença do escritor no país
que ele – não se trata , agora, de discutir as razões – escolheu para viver e
onde foi acolhido. Um acréscimo que seria sem dúvida bem-vindo. Evidentemente,
supriria prejudiciais lacunas, possibilitando a aproximação mais ampla e
profunda de uma obra que foi sendo reconhecida ao longo do tempo e hoje, nas
duas margens do Prata, continua a despertar o interesse que seu inegável valor
faz merecedor.
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