domingo, 29 de junho de 1997

As duas vozes


            Marilyn Bobes nasceu em 1955 em La Habana. Licenciou-se em História, trabalhou como jornalista e, em 1979, recebeu o prêmio David, de poesia, por seu livro La aguja en el pajar. Como narradora, recebeu o Prêmio Admundo Valdés do México, em 1993 e, em 1995, o Prêmio Casa de las Américas.Alguien tiene que llorar é o título desse livro premiado em La Habana, uma coleção de sete contos cujo tema é a mulher incompreendida e sozinha, os olhos sempre postos no amor.

            E assim é para Iluminada Peña, do conto “Preguntáselo a Dios”. O amor que sente por Bebo é apenas sugerido no texto. E ela se casa com Jacques Dupuis.O relato se faz em dois níveis: um narrador, em terceira pessoa; outro, em primeira. Em terceira pessoa é contado como foi seu encontro com o francês, o estado de espírito em que se encontrava por ser desprezada por Bebo, o namoro com o estrangeiro que, findas as suas férias em Cuba, a pede em casamento e a leva para a França,  a sua tristeza quando volta de visita a La Habana.Nas cartas que escreve a sua amiga, expõe as agruras de quem vive em terra alheia, entre desconhecidos.

            São treze textos curtos, numerados e grafados diferentemente. Ainda que, em cada um haja um tom próprio que os distingue, eles se completam no desenho da mulher e nos contornos dos espaços em que ela vive.Assim, o narrador fala de sua pele cobriça, de seu “torso esbelto”, seus “quadris maciços”, suas “extremidades bem torneadas”. Numa de suas cartas, Iluminada já agora Dupuis, comenta que o marido deseja que ela emagreça. O narrador menciona suas tristezas de olhos chorosos e sorriso melancólico e ela, ao escrever para a amiga, confessa seu desespero nessa Toulouse que, de algum modo, a rejeita.

            A cidade de La Habana, porém, se mostra somente a partir das palavras do narrador que se refere a existência de contrabandistas, à constância dos racionamentos de luz, à falta de comida.Nas palavras de Iluminada, apenas esse dizer que a situação delas é muito pior referindo-se as tristezas  que deve suportar. Delas significa a mãe e a avó para quem ela manda dinheiro para a sobrevivência.Então, se resigna a morar com a sogra, a suportar as manifestações de desagrado que desperta por preferir a cerveja ao vinho, por não saber se portar à mesa, por não saber se vestir. Também, ao vexame de ter seus documentos revistados, na rua, ao ir ao cinema sozinha, de se ver observada por uma balconista que logo dela se aproxima quando entra na loja, na desconfiança diante daquele que não é francês.E diz para a amiga na carta: meu esposo é muito bom (...) minha avó e minha mãe que são as pessoas que mais gostam de mim nesse mundo, dizem que escolhi bem. E eu acho que é verdade.Mas, não acredita que exista outro lugar melhor do que seu país – se não fosse porque lá faltam as coisas, porque lá falta luz – e chora no momento de deixá-lo para voltar ao exílio que escolheu ou que a fizeram escolher.

            É um sentir que não se desvincula do que acontece a seu redor e esses dois tempos – o individual e o social - separados pela voz narrativa do conto de Marilyn Bobes, na verdade, se entrelaçam para dizer dos desacertos em que vivem um e outro.

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