A coleção chama-se “Aquí y
ahora” (Aqui e agora) e, sob a rubrica da Universidade de Puerto Rico, quer
mostrar a produção de poesia, ensaio, teatro e narrativa dos autores
porto-riquenhos sejam eles novos ou consagrados, residam ou não na Ilha.
Número 12 da coleção, Este ojo que me mira (Este olho que me
olha) cuja autora, Loreina Santos Silva, além da Cátedra de Literatura, exerce,
já há muito, o belo ofício de poeta.
Publicado em dezembro de
1996 esta sua última obra é um livro de memórias. Elas começam já na capa onde
dois pequenos retratos da autora se mostram; um, repetido quatro vezes,
enlaçando o outro, no centro, inserido num círculo, lembrando um olho. As
memórias continuam na dedicatória, uma explicação da gênese do livro: a partir
dos rostos do artista Sam Francis, que viu na exposição, ela traça os seus
próprios rostos sob o impulso da palavra. A partir de então, é uma construção
que se faz, pouco a pouco, em pequenos textos, aprofundando-se nesses retalhos
de vida que ela, como poeta, expressa liricamente.
O primeiro texto chama-se
“Golpeando-se el vacio” e o olho que me
olha, que inicia cada um dos relatos, a vê recém-nascida, ainda com os olhinhos
fechados e os fiapos de cabelo aloirado. Vê os que a rodeiam nessa hora mas é
ela, agora, já de posse de sua vida, que reflete sobre a dor de nascer, de ser
jogada nesses punhais invisíveis que
assentam os golpes da dor e da alegria.
E assim serão essas
memórias: um narrar de episódios cotidianos – o café da manhã com os primos, a
espera dos Reis Magos, o encontro com a madrasta, as travessuras – e do momento
sentido. Então, suas palavras se intensificam e delas emerge um comovente mundo
infantil todo feito de emoções: a raiva de ser retratada ao lado da pequena
inimiga; a humilhação pelas palmadas da mãe, castigando a brincadeira inocente;
as lágrimas da orfandade; o medo de uma aparição; o horror diante da obrigação
de tomar vermífugo; a indignação ao ouvir a proposta atrevida; a vergonha pela
acusação injusta; os desejos do futuro; a tristeza de ter perdido os poemas da
mãe; a desilusão de um reencontro passados os anos.
Cada texto é uma peça a
compor a alma infantil que não foi poupada pelo sofrimento – o abandono do pai,
a morte da mãe – mas que se constrói, subjugada pela atração que a vida nela
exerce.
Este ojo que me mira é um emocionado poema em prosa que não esconde as
hipocrisias religiosas ou a submissão de seu país aos Estados Unidos e onde reina
a inigualável ânsia de viver de Loreina Santos Silva.
Seus olhos se extasiam
diante dos mares e montanhas do país, diante do avermelhado fulgor das
amapolas; seus ouvidos se alegram com a voz dos grilos e dos sapos, com a
orquestra de pássaros matinais; seu olfato se delicia com os odores da cozinha,
esse lugar mágico onde se assam
bananas verdes e batatas e onde pairam os aromas de orégano, alho, cominho e
patchuli; seu paladar se lembra do bacalhau com beringelas, recheado de queijo
e passas, amêndoas e picadinho de ovo; e se lembra da canjica e do arroz doce.
Seu rosto, sendo feliz com o roçar do vento.
E, entregando-se a cada
sentir, a criança que é vista por esse olho
que olha descobre o mundo e vai se preparando para viver. Um aprendizado
que lhe permitiu acabar sendo o que um dia sonhou: a professora amorosamente
cheia de bondade e essa mulher, alimentada pelo segredo da poesia.

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