domingo, 8 de junho de 1997

Literatura e compromisso


Não é um mundo de mudos o que concede a poucos eleitos o privilégio da palavra?
             ***
Não há estruturas de poder que convertem em privilégio de poucos o que deveria ser um direito de todos?
             ***
Tem sentido escrever na América Latina? Desde quando os analfabetos lêem? E os mortos de fome, desde quando compram livros?
                                                             Eduardo Galeano
 

          América Latina, La canción de nosotros, Memorias del fuego, El libro de los abrazos se trata, então, de um desafio, de um aprendizado de humildade e de São sete pequenas notas sobre Literatura e Compromisso, escritas por Eduardo Galeano e publicadas em “Letras & Livros” do Correio do Povo, de Porto Alegre, no dia 10 de outubro de 1983.
 
          Cada uma delas tem um título que as resume e, entre eles, os que se constituem indiscutíveis ou instigantes assertivas: A palavra nunca é neutra, A palavra se realiza no leitor, Para poder falar há que saber ouvir, A Literatura pode abrir novos espaços de criação, comunicação e mudança. Completam a página, repetida três vezes, uma foto de Pablo Neruda porque é a respeito dele e de sua obra que fala Eduardo Galeano.

          Talvez tudo o que diga já seja conhecido – poucos poetas se comprometeram tanto com seu povo e com os pobres do mundo; poucos poemas tiveram a acolhida que receberam os seus – mas a calorosa admiração que põe em suas palavras e as reflexões que a elas se mesclam sobre o trabalho do escritor fazem desses breves textos uma expressão de simplíssima verdade ou de estimuladores preceitos.

          Eduardo Galeano não desdenha perguntas: Que poder de transformação da realidade pode ter uma palavra que não começa por transformar, nem que seja um pouco, quem a lê?, Existe algum tema que não seja político?, Não é um mundo de mudos o que concede a poucos eleitos o privilégio da palavra?. Tampouco economiza asserções: A palavra, ferramenta que o escritor afia cada dia, não seria mais que uma garatuja ou ruído inútil, se não servisse como instrumento de diálogo, Quando a palavra coincide com uma necessidade coletiva, torna-se de todos.

          E a lembrança de Pablo Neruda e o voltar-se sobre si mesmo o levam a pensar nesse ofício de escrever que, no Continente, pode ser um ofício de solidão. Porque a palavra escrita é de antemão censurada pela estrutura social que impede a existência de leitores e pelo monopólio dos meios de comunicação exercido pelas grandes máquinas do poder.

          Fonte de desalento para alguns, alimento de arrogância para outros é uma solidão vencida, segundo Eduardo Galeano, por aquele que acredita ser o escrever um ato de solidariedade humana.

          Para o escritor uruguaio, autor de Las venas abiertas de paciência. Daí o poder dizer: De gotas se faz o oceano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário