domingo, 22 de junho de 1997

As intenções

           Teorias complicadas e nomenclatura específica (evidentemente, alienígenas) existem muitas para explicar o que alguém, de maneira simples disse com modéstia: o assunto é o que se diz; tema, o que se quer dizer.Breve reflexão, a propósito dos contos de Lima Barreto que o Pólo Editorial do Paraná acaba de publicar, O homem que sabia javanês e outros contos.
          No volume, dezessete relatos, cada um linear, coloquial, cotidiano, aparentemente despretensioso: Castelo, narrando como se tornou professor de javanês; o funcionário público, contando de seus pobres dias; o Cazuza, lembrando sua infantil tragédia; Zilda, se entediando na recente vida de casada.

           Nas entrelinhas, observações. Sagazes, irônicas, trocistas, por vezes, mordazes.

          E motivos parecem não faltar: é o ministro de Estado a dizer o senhor não deve ir para a diplomacia, o seu físico não se presta...; são os congressos científicos onde pode acontecer que uma fama fabricada crie reputação de profunda e indiscutível sapiência; são as listas das inexplicáveis benesses usufruídas por funcionários públicos; são pretensos escritores, anunciando livros que jamais conseguirão escrever. Mediocridades que se exibem, refletindo uma sociedade preconceituosa, interesseira e hipócrita.Quando seus defeitos se tornam maiores, Lima Barreto fala de outras terras, como no relato “O falso Dom Henrique V” ou “Eficiência militar” em que a ação se passa na República de Bruzundanga – tantas politiquices e traições e violências – e no Império da China. Lá, o vice-rei de Catão se preocupava com seu exército que não possuía nem garbo marcial, nem aptidões guerreiras. Ter-lhe mudado a ração e tê-lo feito praticar nas manobras gerais, na época das cerejeiras em flor, não foram suficientes para melhoras. De seu desagrado, falou ao general do exército que, então, explicou serem os defeitos fáceis de remediar: suficiente apenas, mudar o uniforme que usavam, parecido com os do exército alemão, para um que fosse imitação do francês. Ou fala do paraíso, onde a alma de um justo que mereceria assentar-se à direita do Eterno e lá ficar, per secula seculorum, gozando a glória perene, é mandada para o purgatório por ser a alma de um negro. Embora ele tenha sido Bom como São Francisco de Assis, virtuoso como São Bernardo e meigo como o próprio Cristo.

          Talvez ingênuas, no que possuem de caricatural e de risível, as histórias de Lima Barreto vão se fazendo na simplicidade das pequenas vidas e dos breves episódios que se entrelaçam a esse querer mostrar o quê era falso, artificial e deformante na sociedade brasileira dos inícios do século.

         Assunto e tema que nem sempre foram do agrado – haja visto as críticas e os desprezos – dos que se acreditam bem pensantes no país.

Nenhum comentário:

Postar um comentário