Não é preciso tomar tão a sério,
mudar de estrelas é como mudar de
casa, uma mudança, nada mais, disse
um dos personagens. E outro faz uma descrição do céu que iriam ver daí em
diante como se fizesse a da casa em que iriam morar.
Claro,
houve aqueles que muito pouco tinham se fixado no céu do Continente. Também,
aqueles que olharam pela primeira vez para o Cruzeiro do Sul. Mas, saber que
desapareceriam as suas estrelas para, no lugar delas, aparecer Cástor ou Pólux
era a reafirmação da realidade do exílio a que eram destinados esses indesejáveis
do Sistema.
Tentam prolongar a imagem do seu céu, tentam fazer uma
cerimônia de adeus regada a vinho, tentam fazer o brinde de feliz céu novo enquanto o barco navega
para o norte e a constelação do Cruzeiro do Sul vai desaparecendo.
Para
o romancista Daniel Moyano, ele próprio um exilado dessa década de 70, a
desgarradora perda de um céu estrelado faz parte de um todo de muitos sofrimentos.
O
capítulo X do romance se inicia com a frase Ontem
à noite as estrelas começaram a mudar.
Mas, imediatamente passa o narrador a falar do caderno no qual ele anotou a sua frase, passa a falar de
lembranças de família, para, então, repetir, com uma leve mudança a frase: A noite em que as estrelas começaram a mudar.
Outra vez se dispersa, lembrando os antigos gaúchos argentinos para, então,
tornar ao tema numas poucas linhas –já
está tão pequenininho o Cruzeiro do Sul, é preciso trazer mais mate e mais
vinho, acordem as crianças para que se despeçam –e, de novo, mudar de
assunto ao narrar a mudança de casa de um dos viajantes e mais uma vez voltar a
essa despedida: alguém lembra de trocar de signo de zodíaco, alguém lembra que
teve um filho morto pela repressão, alguém vê descobertas as marcas de tortura
no seu corpo.
E na
melancolia de um céu perdido, contidos os dramas maiores num tecer romanesco
feito de ricos e imprevistos recursos. A narrativa se faz em meandros e a ela
se acrescem pedaços de histórias mostrando um mundo cruel – o pai procurando fugir
da dor pela morte do filho, o olhar do menino para seu universo desfeito
cabendo num caminhão de mudança, o querer esconder a marca da tortura –
expressão de tudo o que a repressão ensejou: perseguições, seqüestros, prisões,
torturas, morte.
Então,
mudar de estrelas significou a salvação. Para os navegantes, deixar para trás
uma vida inteira e sob um novo céu e sobre uma nova terra, tentar viver o
exílio. Ainda que alimentado de saudades, de tristezas, inseguranças e de
medos.
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