Na
sua série Pequenas Grandes Obras, a Mercado Aberto, de Porto Alegre, lançou, em
1996, O netgro Bonifácio & outras
histórias.Tanto “O negro Bonifácio” como os outros três contos que compõem
o volume, foram tirados de Contos gauchescos
de Simões Lopes Neto, obra publicada, pela primeira vez, em Pelotas, no ano de
1912.
Finalizando tragicamente o conto que dá título ao
livro, assim como “No manancial”; e com aquele final feliz, esperado, das
histórias de amor, “Melancia e Coco Verde”.
“Trezentas
onças” é diferente. Não trata do universo amoroso e de seus pequenos dramas ou
grandes tragédias, mas de um episódio que, talvez, até pudesse ser chamado do
cotidiano – o esquecimento de um objeto e certeza de sua perda – que leva a um
ilimitado desespero.É o narrador o próprio protagonista do acontecido. - eu tropeava nesse tempo ele começa a contar, dirigindo-se a um interlocutor que
o escuta sem interferir, nem por um momento, na narrativa. Refere-se a um
passado - Parece que foi ontem – mês
de fevereiro em que a cavalo, com a guaiaca recheada das trezentas onças de que
fala o título do conto, ia comprar gado. O calor o faz interromper a marcha
para uma sesta e, logo, o barulho da água corrente lhe dá vontade de se
refrescar. Depois de se atirar na água e de tornar a se vestir continua o
caminho, percorrendo as três léguas até a fazenda onde iria posar. É na hora de
apear do cavalo que sente falta da guaiaca. O susto o impede de todo raciocínio
até que, se repondo, percebe que o pequeno cão que o acompanhava late, torna a
latir e corre para a estrada. Num relâmpago se lembra do banho, as roupas
penduradas num galho de árvore, da guaiaca sobre a pedra.Imediatamente torna a
montar e acompanhado pelo cachorro se propõe a refazer todo o caminho.
Então,
o ritmo narrativo se abranda na descrição da paisagem. São luzes, cores, algum
movimento vagaroso no entardecer que vem trazendo a noite. Já é escuro quando
ele chega novamente ao lugar onde deixara a guaiaca. Há silêncio, imobilidade,
sombras. E, ao constatar a ausência do objeto que procurava surge o frio se
instalando na sua alma, o pensamento de autodestruição para pagar a desonra de
parecer desonesto, a mão na pistola. Mas, interrompe o gesto – já se benzera,
já encostara a arma no ouvido – ao ver as Três
Marias luzindo na água, ao sentir o cusco encarapitado na pedra,
lambendo-lhe a mão, ao escutar o relincho de seu cavalo e a cantoria alegre de um grilo ali perto.
Pressente uma mensagem divina naqueles sinais e inicia o caminho de regresso,
fazendo as contas para pagar esse dinheiro que passara, com a perda, a estar
devendo. Foi só quando entrou no galpão da fazenda onde os homens da comitiva,
com quem cruzara ao sair, tomavam mate é que viu enroscada como uma jararaca na ressolana a sua guaiaca, perto da
chaleira.
O
conto termina com as risadas dos homens, perguntando como lhe havia sido o
susto e é como se na história, muito pouco tivesse acontecido.
Impondo-se,
a paisagem do campo que a maestria de Simões Lopes Neto torna inesquecível. É a
presença da água, o ruído manso da água
tão limpa, tão fresca rolando sobre o
pedregulho; dos pastos serenos,
verdes, clareados pela luz macia do sol morrente, manchados de pontas de gado
que iam se arrolhando nos paradouros da noite; dos pássaros na brancura de
um joão grande voando sereno, quase sem
mover as asas. E da luz cambiante do fim de tarde, completando com vermelho dourado ou com um clarão afogueado, como de incêndio num pajonal o quadro onde, no silêncio, se movem o
cavaleiro, o cavalo, o cusco.
No
todo, a expressividade do verbo (rumos da água pipocando no escuro) ou do adjetivo (noite que vinha peneirada), de uma
comparação ingênua (coração dentro do peito luzindo como um espinilho ao sol, num descampado, no fim do meio dia).
E a
simplicidade do personagem- narrador, em acorde com a natureza que o rodeia tão
profunda e confiantemente que irá lhe obedecer os desígnios quando não se deixa
sucumbir diante do que acreditava irremediável.

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