domingo, 20 de julho de 1997

Vozes da narrativa. Os emigrantes

          O autor diz ter começado o romance em 1970: Caballo por el fondo de los ojos, publicado em 1976 pela Editora Planeta de Barcelona.

          Como epígrafe, uma frase de Leopoldo Marechal  a pátria é uma dor que nossos olhos não aprendem a chorar e uma estrofe de Rafael Guillén da qual os versos Passa como que um tropel de mansos cavalos pelo fundo de nossos olhos foram a origem do título desse romance de Gerardo Mario Goloboff. Sua publicação seguiu-se a de um livro de poemas, Entre la diáspora y octubre e precedeu a de um outro romance, Criador de palomas.

          Caballo por el fondo de los ojos (Cavalos no fundo dos olhos) termina com a transcrição de um texto de Macedonio Fernández, tirado de Museo de la novela la eterna, obra ficcional que discute preceitos teóricos do romance e ensaia novos modelos romanescos.

          Nesses dois marcos se enquadra o romance de Gerardo Mario Goloboff: um compromisso com a realidade argentina da década de 70 e uma experiência ficcional.

          Descendente de emigrantes europeus,ele nasceu em Carlos Casares, província de Buenos Aires em 1939. Um texto de seu livro sintetiza esse drama de que fala Vicente Huidobro, o que se estabelece entre a coisa e a palavra, dito que aparece, em epígrafe, antecedendo o primeiro capítulo, “Semillas” (Sementes). Nele se delineia a viagem dos que vem de longe para chegar à Argentina, lugar de terras boas e de paz. E, onde há que aprender a nova fala: ser outra vez criança, deixar que doam esses músculos da garganta que, por não terem nunca sido articulados, se opõem torpemente e deixam ouvir cacos de sons, consoantes arrastadas, sílabas desparelhas.

          E há uma busca de palavras nessa busca de encontrar outra pátria agora a ser construída no pampa: do nada, irão surgir a casa e as plantações de girassóis.

          E com o novo universo que se ergue, a coragem da expressão com seus sons e seus silêncios. Conquistas de palavras que se mesclam com as descobertas do dia a dia: um gosto novo na boca, uma nova música para escutar. E o trabalho cotidiano, as dúvidas do difícil transplante, a pátria recente a ser plenamente vivida. E esse querer possuir o idioma para poder começar a acreditar de novo.

          Então, há o desejo de deslindar a Babel no afã de que a palavra pão seja para todos, acalme a mesma fome, a mesma sede, o mesmo cansaço, o mesmo sonho, no mesmo pampa.

          Um ideal que irá permanecer para conduzir ações futuras. Nos capítulos seguintes se entrelaçam a vida dos descendentes, seus destinos truncados pelas lutas políticas. Os alijados da Europa atravessaram os mares procurando a paz. Ao se incorporarem, porém, à nova terra se incorporaram, igualmente, as suas agruras nesse mapa de violências e mortes que era a Argentina dessa época.

          Caballo por el fondo de los ojos é um romance estranho, difícil, de múltiplas leituras.

          Num país em que o político e o histórico e o literário se entrelaçam num mesmo tecer-se, como disse Gerardo Mario Goloboff em entrevista a Oscar Taffetani, essas leituras possíveis não estão isentas da presença da história e da política e ambas não podem prescindir dessa gente que veio para construir o país e para construir-se.


          E o romance é então, também, um meditar sobre essa chegada e esse anseio que passa pela conquista da palavra.

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