domingo, 13 de julho de 1997

O cronista de todas as coisas

           Pablo Neruda, “o cronista de todas as coisas” é como ele se rotula no poema “Artigas”, oitavo episódio de seu livro La Barcarola, publicado pela Losada de Buenos Aires, em 1967.Oito estrofes compõem o poema; todas, feitas de números desiguais de longos versos. Neles, cabem o herói e seu país. O herói é Artigas, o prócer da Independência do Uruguai. O poeta o chama de pai constante do itinerário, caudilho do rumo, centauro da poeirada, ginete do calafrio, soldado do campo crescente, capitão luminoso. O país é definido por uma estrofe inteira: Uruguai é palavra de pássaro ou idioma da água, / é sílaba de uma cascata, é tormento de cristais, / Uruguai é a voz das frutas na primavera fragrante / é um beijo fluvial dos bosques e a máscara azul do Atlântico. / Uruguai é a roupa estendida no ouro de um dia de vento, / é o pão na mesa da América, a pureza do pão na mesa.Com nomes de pássaros, o poeta os entrelaça e faz surgir a ação desse galopar de cascos sonoros até aparecer a bandeira e o grito azul espalhado no vento e a luta perdida e o exílio.

           É a crônica de um destino e de uma guerra, alimentada de metáforas, refletindo as grandezas da epopéia que se desenrolou nos campos do Continente e a sua vitoriosa derrota.

           Emergem palavras – planície, inclemência, pátria, sangue, aurora, silêncio, folhas, chuva, passos, látego, cepo, déspota, dores, - dando conta de um espaço. Outras palavras emergem, dizendo de sentimentos: tempestuoso, amargo, violenta, entristecido, desventura.

           Então aparece, na última estrofe, o nome do poeta, declarando a sua dívida para com o Uruguai. E a estrofe lhe pertence para dizer que não faltou a seu dever, não aceitou escrúpulos, esperou a hora, recolheu a inspiração nas plantas do rio, na sua areia, nos seus peixes, na amizade dos uruguaios para escrever essas palavras em memória de Artigas.

           São versos que nascem do culto por quem foi um verdadeiro filho do Continente nessa trajetetória de coragem pelos campos de seu país e da solidão sofrida nos país dos outros. Conduzidos pela emoção se inserem, como aqueles dedicados a César Vallejo, Rúben Azócar, Joaquin Murieta, em La Barcarola esse poema, sempre interrompido, que prossegue cantando o amor por Matilde, o amor pela sua pátria.

          Amores que não o fazem, no entanto, esquecer esse História da América que ele vai entremeando, ao longo do tempo, em poemas que não deixam que o destino de seus povos sejam condenados a um absoluto silêncio.

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