É de Galileo Gall essa
narração em primeira pessoa que se intromete no relato onisciente de La guerra del fin del mundo de Mario
Vargas Llosa (Seix Barral, 1981).
Frenólogo e revolucionário,
como se definia a si mesmo. Apalpando os crânios, sabia dizer do caráter de
seus donos; combatente pela liberdade, pregando que uma vez destruída a velha ordem graças à ação revolucionária a nova
sociedade florescerá espontaneamente,
livre e justa, se engaja em tarefas difíceis e intrincadas nos caminhos do
sertão.
E, mantendo uma ligação com
a Europa onde nasceu, envia para o jornal L’étincelle
de la revolte, publicação que aparece em Lyon, pequenas notas políticas e de divulgação científica.
Dois desses artigos fazem
parte de La guerra del fin del mundo.
No primeiro, narra a visita que fez ao Mosteiro de Nossa Senhora da Piedade.
Seu desejo era falar com o frei João Evangelista de Monte Marciano que por
ordem do arcebispo da Bahía, havia estado
na fazenda do barão de Canhabrava ocupada por um grupo de deserdados. Dessa sua
viagem resultara um relatório que interessou sobremaneira a Galileo Gall que
então desejou escutá-lo de viva voz.
Na conversa que teve, então,
com o frei, pode constatar algo de familiar no ensino de Antonio Conselheiro a
sua gente, uma espécie de materialização de certas idéias revolucionárias: o amor livre, a livre paternidade, o
desaparecimento da infame fronteira entre filhos legítimos e ilegítimos, a
convicção de que o homem não herda nem a dignidade nem a indignidade.
Ainda que percebendo nele
exagero e rancor contra Canudos, se deu conta de que homens humildes e sem experiência
estavam praticando à força de instinto e
imaginação, aquilo que os revolucionários europeus acreditavam ser necessário
para implantar a justiça na terra.
E, enquanto o frei enumera
as sandices da seita político-religiosa que se entrincheirava em Canudos, em
tais sandices, Galileo Gall via que esses homens haviam orientado a sua
rebeldia em direção do inimigo nato da liberdade: o poder que lhes nega o
direito à terra, à cultura, à igualdade. E que a única maneira que encontraram
para combatê-lo foi a força.
Mais surpreendente ainda
para ele foi escutar que também se havia estabelecido em Canudos a certeza Ade
que tudo deve pertencer a todos: as casas, os plantios, os animais, porque no
dia do juízo final quanto maior sejam as posses de uma pessoa, menos possibilidades
terá de estar entre os favorecidos.
Para Galileo Gall era como
se os preceitos religiosos encobrissem as idéias revolucionárias por uma
questão de tática, devido ao nível cultural dos humildes que o seguiam.
E, convicto de que algo
portentoso acontecia, dirigindo-se a seus leitores europeus de L’étincelle de la revolte, acrescenta: no fundo do Brasil, renasce de suas cinzas a
Idéia que a reação acredita ter enterrada lá na Europa no sangue das revoluções
derrotadas.
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