domingo, 8 de setembro de 1996

As palavras.


Mario Vargas Llosa é um autor de romances longos. Resultam de um magma, assim ele chama às centenas de páginas que seleciona, para se tornar a obra efetivamente desejada. Dessa maneira foi escrito La casa verde (um magma de quatro mil páginas) La ciudad y los perros (um magma de mil e quinhentas páginas). Certamente assim deve ter sido com La guerra del fin del mundo, romance de quinhentas páginas que giram em torno da figura de Antonio Conselheiro.

Nele, as paisagens se sucedem em surpreendentes descrições do sertão; as biografias dos discípulos de Antonio Conselheiro (o Leão de Natuba, João Satán, Maria Quadrado) tecem as malhas de destinos que se aglomeram a seu redor; os encontros belicosos traçam um intrincado desenho. Um todo que resulta em universos ricos de conceitos e de paixões, testemunhando o imenso trabalho de pesquisas que o antecedem. Testemunham, também, que só um conhecedor de seu ofício, como Mario Vargas Llosa, quando narra, quando descreve, quando inventa, pode, dar tanta  vida e tanta força ao  fato histórico que refaz na ficção

Suas palavras são combinadas sabiamente e na beleza que a maestria do escritor pode conceber num uso de valiosos recursos estilísticos que lhe permite ignorar fronteiras idiomáticas e desprezar purismos.

Nas páginas de La guerra del fin del mundo em perfeita harmonia com o texto original, estão palavras pertencentes ao léxico português. Relacionam-se com a paisagem (xique-xique, mandacaru, juazeiro, imbuzeiro, caatinga), com a comida (farofa, farinha, angu, cachaça, rapadura) e com os tipos que nessa paisagem imperam (jagunços, caboclos, cangaceiros, capangas).

Talvez elas sejam uma homenagem a esses outros textos que de alguma forma guiaram Mario Vargas Llosa  e, talvez, o tenham influenciado na concepção e na confecção da obra. Ou, a consciência de se constituírem essas palavras elementos imprescindíveis para tratar de um modo ímpar e agreste um mundo que lhe era até então desconhecido.

Sem a marca do grifo ou das aspas, elas se incorporam ao texto como se apenas elas pudessem expressar alguma parte desse mundo. E o autor, então, a elas se submeteu.

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