domingo, 15 de setembro de 1996

O silêncio.

             Em 1981, foi publicado La guerra del fin del mundo de Mario Vargas Llosa. E´ a guerra de Canudos, uma árvore de histórias. As desses miseráveis que se foram juntando ao grupo de Antonio Conselheiro, as desse viver cotidiano em torno dele – a rezar e a reconstruir cemitérios e igrejas – as das lutas travadas contra o exército da República. Paralelamente, um diálogo de muitas horas entre o Barão de Cañabrava e um jornalista.

Iniciara-se, apenas, por um pedido de emprego e se prolongou pela atração que o assunto Canudos exerceu sobre um, aquele que desejava saber e o outro que precisava contar o que acontecera.

Estão se esquecendo de Canudos, ele disse. Ao que o Barão responde: É um episódio desgraçado, turvo, confuso. Não serve. A história deve ser instrutiva, exemplar. Nessa guerra, ninguém se cobriu de glória. E ninguém entende o que aconteceu. As pessoas decidiram baixar uma cortina. É sábio, é saudável.

Para ele, Barão, no entanto, isso é impossível. O simples olhar para o jornalista e dar-lhe a mão, quando chegou, lhe trouxe à memória o que há meses tratava de esquecer: o incêndio na sua fazenda, a crise de loucura de sua mulher, o abandono da vida pública. Um passado a ressuscitar quando desejava que desaparecesse. Não queria escutar, não queria saber e, por inúmeras vezes, tentou interromper as palavras do outro, olhando para ele duramente, levantando-se para dar por terminada a visita, dizendo nada desejar ouvir sobre Canudos. Mas, ao mesmo tempo, querendo escutar e, submetendo-se à voz do jornalista que tudo presenciara e não queria permitir que fosse esquecido.

Ao voltar de Canudos, onde fora como correspondente, procura respostas para o que lá havia visto e aquelas que encontra nos jornais são monocórdicas: hordas de fanáticos, sanguinários abjetos, canibais do sertão, degenerados da raça, monstros desprezíveis, escória humana, infames lunáticos, filicidas, taradas da alma.

Também percebe na atitude de outras testemunhas a inexplicável incongruência que é não ver o que está diante dos olhos mas somente o que foi dito que deveria ser visto. E percebe essa conspiração da qual todos participaram para negar ou para afirmar o que era de conveniência para a República e do interesse de seus mandatários sobre os homens de Canudos.

Quando esses homens foram vencidos emudeceram-se todos sobre as perdas. E depois de terem sido mortos no grande massacre, eles morreram outra vez condenados pelo silêncio que se instalou. Sábio e saudável, dissera o Barão.

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