domingo, 29 de setembro de 1996

O diálogo

            O cotidiano de Canudos. As lutas, a fé, os trabalhos, a morte. La Guerra del fin del mundo conta a saga desses deserdados se agrupando em torno de Antonio Conselheiro. Entremeado a esse relato, duro e trágico, a conversa entre o Barão de Cañabrava e o jornalista.

No romance de Mario Vargas Llosa, ele é chamado de o jornalista míope. Trabalhava para o Jornal de Notícias quando pediu para ser enviado a Canudos junto com o Coronel Moreira Cesar.

Após o extermínio da cidade, volta a Salvador mas se recusa a continuar trabalhando para o jornal porque a condição, para que isso acontecesse, era esquecer Canudos. Resta-lhe procurar o Barão, dono do Diário da Bahía.

Um longo diálogo se estabelece entre aquele que é rico e poderoso e o outro, um esquálido e envelhecido jornalista que pede trabalho para ajudar um amigo doente e para poder comer.

Meses já se haviam passado e o Barão só deseja tudo esquecer. O jornalista não quer permitir o esquecimento.

Nesse tempo em que durou o diálogo – o sol iluminava a manhã quando o jornalista chegou e era já noite avançada quando foi embora - o Barão lutou para vê-lo terminado e seu interlocutor para que não se esfacelasse.

Na estrutura do romance, dividido em quatro partes, esse diálogo é o texto que inicia cada um dos capítulos da quarta parte. Interrompido, ele recomeça cada vez com um tema diferente: o esquecimento a que deve ser fadado Canudos, as informações contraditórias ou falsas veiculadas pela imprensa, o destino dado ao cadáver de Antonio Conselheiro, o amor do jornalista por Jurema. E é seguido pelos episódios que relatam os últimos dias de Canudos: as tragédias da luta, suas misérias e suas mortes.

No gabinete do Barão, separado do mundo pelas cortinas fechadas, o tempo transcorrido que esmaece os sentimentos, a emoção de cada um dos interlocutores e o que se passou distante das lutas, diluem a realidade.

Essa alternância do diálogo que procura entender ou explicar com a narrativa dos fatos apresenta-se, então, como um recurso narrativo hábil e pertinente aos instituir em meandros um paralelo entre o que foi chamado de reino do obscurantismo e as idéias dos bem pensantes ou dos que se acreditam como tal.

Evidencia, principalmente, a distância que existe entre o mundo dos deserdados e aquele das palavras e das considerações.

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