No primeiro artigo (ou
carta), ele comenta algumas das orientações de Antonio Conselheiro a seu
grupo, nele fala de um novo
interlocutor, desta vez, um homem que participou das lutas.
O encontro entre eles se deu
num povoado perdido. O outro, baixo e maciço, com uma cicatriz no rosto,
revelando um passado de capanga, de bandido, de criminoso. Vestido de couro,
tinha o chapéu na cabeça e nas mãos a espingarda.
Nas suas certezas, proferiu
uma estranha diatribe contra a
República. Com profunda segurança, sem
assomo de paixão foi afirmando
que a República se propõe oprimir a Igreja e os fiéis e acabar com as ordens
religiosas, restaurar a escravidão. E prova disso é ter instituído o casamento
civil, a cobrança de impostos, o censo.
Diante das considerações que
então fez o europeu e diante de suas perguntas, o homem de Canudos recita: os
soldados não são a força do governo mas a sua fraqueza; quando tal se torne
necessário, as águas do rio Vassa Barris se transformarão em leite e suas
margens se transformarão em cuscuz de milho e os jagunços mortos irão ressuscitar
para a chegada do exército do rei Dom Sebastião.
Galileo Gall define suas
palavras como absurdas. Acabara de lhe dizer que abolir a propriedade e o dinheiro e estabelecer uma comunidade de bens,
feita em nome do que seja, ainda que em abstrações, é algo de atrevido e
valioso para os deserdados do mundo, um começo de redenção para todos. E que
essas medidas, desencadearão contra eles, cedo ou tarde, uma dura repressão
pois a classe dominante jamais permitirá
que se multiplique semelhante exemplo: neste país há pobres de sobra para tomar
todas as fazendas.
Em nenhum momento, porém, o
homem de Canudos demonstrou entender o que o europeu, com seu acervo e com suas
idéias revolucionárias pretendia lhe dizer. No relato de Mario Vargas Llosa o
que pensou dessas palavras que lhe eram dirigidas permanece desconhecido, parte
dessas zonas de sombra que abundam em La
guerra del fin del mundo; de Galileo Gall, as dúvidas são expressas porque
ele as enuncia para os leitores de L’étincelle
de la révolte: são os diabos, os imperadores, os fetiches religiosos peças
da estratégia utilizada pelo Conselheiro para lançar os humildes no caminho da
rebelião contra a base econômica, social e militar da sociedade classista? São
os símbolos religiosos, míticos, dinásticos, os únicos capazes de sacudir a
inércia das massas submetidas há séculos à tirania da Igreja e por isso os
utiliza o Conselheiro? Imagina ele o transtorno histórico que está provocando?
Ele é um instintivo ou um astuto?
Sem dúvida, entre Galileu
Gall e seu interlocutore, a distância
era muita. E as palavras que trocaram seguiram caminhos paralelos embora em
certos momentos possam ter tido um sentido igual ou semelhante: o desejo de paz
e de justiça para todos.
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