domingo, 6 de outubro de 1996

Carlos Droguett : In Memoriam

          ... um pouco depois das dez da manhã, manhã inteiramente hibernal e suiça, grande frio, uns cinco graus abaixo de zero, céu na realidade mais cheio de bruma do que de nuvens, esse ambiente implacável e trágico que deixava louco o louco Nietzsche quando magnificamente se queixava... eis aqui o outono que nos fere o coração com sua espada de gelo... escrevia numa carta do dia 7 de dezembro de 1995 o romancista Carlos Droguett.

Desde 1975, ele vivia em Berna num exílio sem retorno. E, nesse espaço alheio, escrevia desesperadamente – nunca escreveu tanto como no exílio – sobre o que acontecera no seu país a partir do dia 11 de setembro de 1973 quando grandes textos seus já haviam sido publicados.


Queria dar voz a esses chilenos que não saíram ou não puderam sair do país e que nos dois anos em que ainda permaneceu no Chile teve o privilégio de conhecer: testemunhas do que então ocorria, alguns desses heróis que, como estava programado pelo fascismo, deveriam morrer na tortura ou se desvanecer na outra morte natural dos gorilas, o desaparecimento.

Em “Literatura do Exílio”, fala desses homens que enfrentaram a delação, a prisão, a tortura, o desaparecimento, o assassinato e que em lugar de se desesperar, de se anular, em lugar de emudecer para sempre, deixaram uma luz, uma palavra, um rastro balbuciado de seu padecimento: os artistas natos que falam, sonham, esperam, escrevem resgatando experiências que não saíram do tinteiro mas dos terríveis e humilhantes sofrimentos das perseguições e dos cárceres. Também, daqueles que, diante da morte, foram levados a usar uma ferramenta que não era a sua, o idioma, para deixar, ainda que escrevendo uma única vez, a marca de sua alma antes de serem conduzidos ao extermínio.

Nesse momento em que refletia sobre a Literatura do exílio que medrava pelo mundo afora e sobre o seu valor, para Carlos Droguett era uma certeza que das palavras originadas do padecimento extra-literário e extra-artístico irão nascer os novos escritores do Chile: vozes sem uso e sem cansaço que irão construir, quando o fascismo já tiver desaparecido, a ressurreição do país.

E os anos se passaram e diluíram-se as esperanças.

No exílio, em Berna, no amado e odiado exílio, Carlos Droguett, que um dia esperara retornar ao Chile, morreu no dia 30 de julho de 1996.

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