domingo, 13 de outubro de 1996

Os recursos do dizer. 1


              Em 1973, foi publicado pela Noguer de Barcelona; El Hombre que trasladaba las ciudades de Carlos Droguett. Faz parte do que a historiadora francesa Jaqueline Covo chamou, a respeito de sua obra, a trilogia da conquista: romances que refazem na ficção a crônica oficial desse adentrar-se dos espanhóis em terras da América, no século XVI. No seu quarto e último capítulo é narrada a chegada do capitão Francisco de Aguirre à cidade de Barco, seu encontro com o governador da cidade, Juan Nuñez de Prado que é, então desterrado. 
 
          Alain Sicard, professor da Universidade de Poitiers, França, no Colóquio que essa Universidade realizou em maio de 1982, sobre a obra de Carlos Droguett, ao falar sobre a paixão da escrita que sempre dominou o escritor chileno, o define como um apaixonado louco pelas sinuosidades do idioma.Afirmativa que, sem dúvida, é exata e pertinente para definir o autor de uma expressão lingüística que faz de El hombre que trasladaba las ciudades uma das mais belas e perfeitas obras escritas neste século e cuja riqueza formal, emergindo de cada um dos recursos, ainda que o mais simples e despretensioso, como o uso da comparação, é imenso.



           Nas quarenta e quatro páginas que compõem o quarto, último e o mais breve capítulo do romance, elas se destacam, sobretudo, pelo inusitado da composição.  As comparações que se referem à qualidades ou à ações, como as citadas por Wolfgang Kayser na sua obra Interpretación y análisis de la obra literaria, no romance de Carlos Droguett, por vezes,  são bastante breves : clara e delgada como uma facada,  cavalo inteiramente seco, penteado e lustroso como se o houvessem fabricado para ele. Na verdade, sobressaem aquelas de forma detalhadas, lembrando as comparações épicas, próprias dos longos poemas clássicos. É o caso desta, em que o elemento real, as carretas, se confronta com vários elementos imaginários, ainda que seja possível se tornarem realidade: foi caminhando apressado, olhando com dissimulação as carretas, com duvidoso e vago desassossego, como se estivessem cheias de ameaças visíveis e prováveis, de índios pérfidos, de sujos traidores que surgiriam sigilosos delas, de qualquer noite, quando tivesse se pacificado o medo, a solidão, o silêncio que haviam deixado na cidade a prisão e o destino de Juan Nuñez de Prado.

          De maneira dispar, se constrói a comparação em que um elemento, respiração, é confrontado com: fumaça da terra, perfumes, plantas, flores, raízes ao qual se acrescenta, ainda, uma condição circunstancial: raízes quando vem rompendo alegres ou pesarosos os torrões e empurrando as pedras porque amanhã, dentro de três dias, será primavera.

          Em outro caso, o primeiro elemento algo indefinido, coisas concretas, se confronta, três vezes, sempre introduzido pela palavra como com dois elementos objetivos, reais (carne, sangue) significando corpo e outro elemento abstrato, significando sofrimento. Nessas três vezes, a expressão por exemplo reafirma o coloquial do texto, um fluir da consciência do padre Carvajal ao ser amarrado e golpeado pelos soldados do capitão Francisco de Aguirre que chegou na cidade para exercer a justiça: coisas concretas como tua carne, por exemplo, como teu sangue, por exemplo, como teu sofrimento, por exemplo.

          Verdadeiramente diluídas no texto de El hombre que trasladaba las ciudades, essas comparações não se constituem a marca primeira da escrita de Carlos Droguett. No entanto, em acorde com o todo ao qual pertencem, são prova de uma capacidade inventiva que se alimenta do denso e do afetivo porque nesse escrever da História da América é do homem e de seu trágico destino no Continente que o escritor chileno está a falar.

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