Na riquíssima expressão de
que é feito o romance El hombre que
trasladaba las ciudades, o recurso mais prodigamente usado é a repetição. E
de maneira obsessiva como o comprova, nas quarenta e quatro páginas que formam
o último capítulo, o número de palavras repetidas: ao redor de cento e oitenta
ou seja, uma média de quatro por página.
Carlos Droguett repete
adjetivos, advérbios, conjunções, demonstrativos, numerais, preposições,
substantivos. Destes, cerca de oitenta. Palavras que se repetem, uma após a outra,
na fala de um personagem: rostos,rostos,rostos,olhos,olhos,olhos.
Ou que se seguem imediatamente às anteriores, separadas por vírgula,
constituindo-se a segunda parte da oração seguinte:viram as luzes, as luzes das tochas passear entre as árvores.
Aparecem expressões
repetidas mas separadas por uma oração: Chorava
silenciosamente, iria soluçando ainda, afundado na sela, entre a roupa,
tiritando de febre e solidão, adormecido entre suas lágrimas, suando de febre e
solidão. Ao repetir advérbios, pode fazê-lo de maneira chã ao usar, por
exemplo, o advérbio muito na expressão muito
alto e muito só, quando o achado estilístico se mostra em relação ao
sujeito e ao predicado da frase: o sino
da igreja se queixava lentamente a essa hora, muito alto e muito só, numa
antropomorfização da igreja a se queixar na solidão. Também pode parecer
trivial o emprego de advérbios em mente. No
entanto ,ainda que modifiquem adjetivos de uso corrente, oferecem significados
inusuais ao agrupar elementos díspares: galopavam
outros cavalos, cuidadosamente
ocupados, cuidadosamente retidos por mãos e por insultos. E existe a
repetição de um adjetivo cujo sentido fica mais forte pelo complemento nominal a
lhe conferir significados que, embora distintos, completam a situação dos
soldados: soldados mortos de fome e mortos de hediondez.
Casos há em que a primeira
palavra, no caso um substantivo, é completada por um adjetivo e a segunda por
um complemento nominal, mediando, entre elas, sentenças narrativas: sussurro medroso [...] sussurro de alívio. Ainda, a presença do
possessivo numa enumeração que pretende dizer do ódio (talvez) sentido pelo personagem. Ódio que estaria
na sua cabeça, no seu cabelo, na sua memória, na sua garganta, na sua
roupa, no seu peito, nas suas coxas, nos seus rins, na sua arrogância, nos seus
torpes desejos de ambição ou vingança.
Tais como estas observações,
concernentes às categorias gramaticais e ao lugar que elas ocupam na frase
sobre as palavras que se repetem, outras podem, igualmente, serem feitas,
considerando os sentimentos e as ações de personagens. Muitas vezes, elas são
assaz ricas tanto quanto à expressão pleonástica como à nuança psicológica que
pelo agir e pelo sentir esboça perfis.
Assim, o capitão Aguirre, afrontando
Ardiles, o outro capitão, lhe toma a espada – teria gostado de embrabecer, teria gostado de embrabecê-lo – e numa
expressão verbal repetida, expressa duas vontades: a que lhe seria pertinente e
a que desejaria provocar no outro.
Também, ao responder para o capelão que o increpa sobre seus desígnios,
pretensamente justos, ele responde: a alguém matarei, mas não sem justiça e não
sem ódio, a ninguém matarei que não mereça ser assassinado. Há casos, ainda,
em que a palavra está na voz do narrador
e ao ser repetida, na voz do personagem: Guevara
olhou suas mãos e disse olha minhas mãos.
Usado com perfeição,
trata-se de um recurso que adquire um maior significado se for considerada a
estrutura da obra na qual ele se inscreve: repetitiva nesse fazer e desfazer da
cidade que é o tema do romance: uma história
louca que o romancista encontrou nas Crônicas da Conquista da América: Juan
Nuñez de Prado funda com 60 soldados a cidade de Barco em território que
Valdívia pretendia estar sob sua jurisdição. Para fugir a ela, Juan Nuñez de
Prado muda a cidade mais para o leste. No entanto, deserções, ataques de índios
e más colheitas o levam a efetuar uma nova mudança, levando a cidade para mais
longe.
Daí uma estrutura romanesca
enlaçada no anseio sempre renovado do capitão Juan Nuñez de Prado de levar a
cidade mais adiante. No repetir-se a sua
mudança, mudança que é oriunda do imperativo inescrutável da vontade humana, o
dizer do romance, em uníssono com o que narra, se faz igualmente repetitivo.
Um todo, como uma grande
metáfora da História do Continente sempre feita das trágicas repetições.

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