domingo, 31 de março de 1996

No palco

 
          Quando os atores, enfileirados, o rosto voltado para o mesmo ponto, a voz enérgica e dura – espécie de coro no velho teatro grego – pronunciaram, bem escandidos, os versos de João Cabral de Melo Neto, o público permaneceu imperturbável.
          No centro da cidade grande, o teatro se ergue como o espaço da Arte, alimento dos que possuem meios para dela se aproximar. A esses, o problema da terra (e da fome e da doença e do analfabetismo) não diz respeito e É a parte que te cabe / Deste latifúndio / ...É a terra que querias / Ver dividida se constituem palavras como as outras, apenas parte de um espetáculo.

          Mas, o belíssimo texto de Morte e vida Severina e as plásticas montagens que ensejou não parecem ser entendidas muito além do que, em geral, se propõe a Cena do Continente quando se engaja no percurso do lúdico e do aliciante.
          E a preferência pelo descompromisso, orientando montagens que raras vezes privilegiam autores nacionais, tem um inegável significado: o atrelamento cultural.
          Como na música, na literatura, nas questões do viver cotidiano, a permanente e renovada submissão aos valores forâneos impede a criação baseada nas verdades (ou inverdades) do país e a conseqüente tomada de consciência, imprescindível na busca das transformações que um país rico em contradições sociais, mas que se queira justo para todos os seus cidadãos, deseja ver concretizadas.
          Uma submissão que seria eludida se houvesse interesse em descobrir o mundo dos verdadeiros problemas e verdadeiras angústias do país e a dramaturgia nacional representasse a procura de um estilo próprio, liberto de estéticas estrangeiras e alienantes.
          Tarefa certamente eivada de obstáculocomo o texto de Gilberto Martínez dá testemunho.Hacia un teatro dialético é a síntese de suas experiências com a criação coletiva em que operários, camponeses, estudantes foram espectadores e críticos das montagens mais diversas apresentados no Teatro Libre de Medellin. Também daquela realizada em diferentes lugares do interior da Colômbia entre os quais Urrao, no Vale do rio Penderisco, onde os camponeses sem terra e famintos, organizados, invadiram os prédios e representavam em forma teatral suas lutas, sua tragédia de miseráveis. (Casa de las Américas, 1979).
          Porém, o que resultou em avanço na produção e nos debates que buscaram o estético e o político foi diluído pelas diferentes posições ideológicas dos integrantes do grupo e pelos interesses pessoais e a falta de clareza nas reflexões e conceituação em relação com sua prática concreta.
          Constituiu-se, à semelhança de outros no Continente, um momento cuja transitoriedade não elimina o valor de querer se opor a um humanismo que aceita tendências progressistas, desde que elas não desafiem as leis ordenadas pelo Sistema.
          Mas, libertar-se do jugo e da subserviência – sem dúvida – demanda esforço e aptidões.

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