domingo, 7 de abril de 1996

A coruja

          Tratando de algumas questões gerais e relatando uma experiência concreta que entrelaçam questões de método e resultados, o colombiano Guillermo Rendón responde à pergunta – “o que significou para você a Revolução Cubana?” – formulada, em 1979, pela revista Casa de las Américas.

          Delineadas com clareza e pertinência, foram as suas observações sobre o papel do pesquisador na América Latina que, ou se situa como adepto da “ciência pura”, distanciando-se de seu objeto de estudo, ou com ele se compromete para, transformando o presente, visar um esperançoso futuro. Entusiasta, a constatação das transformações que, na Ilha, permitiram, a nível de indivíduo, levar à ampliação ilimitada de atitude criativa.

          Na verdade, as considerações de Guillermo Rendón traduzem fortes convicções políticas e de acordo com elas irá realizar o seu trabalho.

          Compositor, jamais uma obra sua se afasta do processo revolucionário latino-americano. Em tudo o que compõe há uma busca de identidade, baseada na tradição, e uma recusa em servir de veículo de propaganda às aspirações e conquistas da oligarquia e do imperialismo; em todas elas, uma procura incansável do caminho da liberdade para o Terceiro Mundo.

          Desse desejo, nasce a composição para piano Variaciones móviles sobre el diario del Che Guevara.

          Sons evocadores de momentos da vida do guerrilheiro, criados em meio da tristeza e da esperança, na luta pela forma que Guilhermo Rendón evoca num texto raro e emocionante.
e respondendo ao so          Trabalhava dia e noite nas Variaciones móviles sobre el diario del Che Guevara; esta vez compus toda a obra no piano, nota por nota, passagem por passagem, parte por parte. Improvisava, escrevia, desenvolvia, tornava a tocar, acrescentava, corrigia, suprimia. O material original era quase sempre submetido a essa difícil dialética da destruição onde adquire novas categorias, ele diz. Para então relatar a comunicação sonora que se estabeleceu entre ele e uma coruja que, ao escutar o piano foi se aproximando m do instrumento.

          Busquei valores rítmicos, busquei a afinação e de um espelho de sons devolvi à coruja o retrato sonoro de sua angústia.O elo se estreitou e cada noite, ela chegava, de galho em galho e o som do piano e o de seu canto se intercalavam.

          Terminada a obra, porém, Guillermo Rendón não mais a tocou. Durante um mês, ainda, a coruja cantava perto de sua janela. Sempre um pouco mais distante e um pouco mais tarde.

          Para o compositor que a esqueceu nessa ausência, ela irá sempre reviver, entrelaçada, nessas notas que ele compôs para o Che Guevara, já morto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário