Corriam os primeiros anos da
década de 50 e era como se não houvesse problemas nesse Uruguai de que fala
Marcel Niedergang. Ainda era o tempo em que o passível de crítica podia ser
inconseqüente.
E assim, inconseqüente,
parece ser a peça Ida y vuelta de
Mario Benedetti. Escrita em 1955 e levada em cena três anos depois, é um belo
exemplo do chamado teatro de entretenimento.
A ação se passa em Montevidéu,
que desconhecia as grandes crises. E se inicia com Juan e Carlos saindo de um
cinema. Interrompem a conversa sobre filmes para jogar cara ou coroa e assim
decidir qual deles abordaria a jovem que por eles passava provocante. Começo de
um romance que acaba em casamento. Depois, uma rápida ameaça de separação que,
resolvida, leva a um final feliz.
Sobre isso diz o Autor: O personagem nacional não tem coerência.
Primeiro, quer uma coisa; depois, outra. Nunca está de acordo consigo mesmo.
E o Autor é o principal
personagem da peça. Ao levantar o pano, lá está ele sentado diante de uma
escrivaninha cheia de papéis, explicando o que pretende. Quer mostrar um casal
que nada tenha de especial, nem mesmo os nomes pois um se chama Juan e o outro
Maria. E duvida que se possa fazer teatro com tais personagens.
Ao longo da comédia, em dois
atos, ele não sairá de cena. Expõe suas teorias sobre o dramático: as longas
deixas fazem mal ao teatro; a ternura é válida para o cotidiano e não para a
cena; é mais fácil fazer teatro com a Revolução Francesa do que com um bolero.
A tudo isso, se entremeiam as observações sobre a crítica, a profissão de ator
e as questões técnicas e temáticas que precisa enfrentar no decorrer do
espetáculo.
Assim, ordenando as mudanças
de cenário, chamando os atores para o palco, informando aos espectadores sobre
o tempo decorrido, atuando como figurante ou como ator e interferindo na cena e
no roteiro, ele é o dono absoluto de seus personagens. E os irá conduzir em
ações corriqueiras, coerentes com aquilo que são: simples, comuns, despretensiosos
e com essa visão de mundo de uma certa classe média profundamente provinciana e
alimentada pela admiração submissa aos valores europeus.
E é essa visão de mundo
contida nas suas réplicas e reafirmada nos monólogos e interferências do Autor,
ingenuamente jocosas, que terá o significado maior: dizer da incapacidade de
olhar para si mesmo e de se reconhecer livre de parâmetros alienígenas.
Constatação que irá permitir
à comédia de Mario Benedetti ultrapassar a espontaneidade do riso na busca de
reflexões: sobre o fazer do teatro, sobre as relações individuais, sobre o
papel dos intelectuais, sobre essa nostalgia de desconhecidas benesses que
domina a elite do Continente.
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