domingo, 28 de abril de 1996

O teatro do cotidiano


          Corriam os primeiros anos da década de 50 e era como se não houvesse problemas nesse Uruguai de que fala Marcel Niedergang. Ainda era o tempo em que o passível de crítica podia ser inconseqüente.

          E assim, inconseqüente, parece ser a peça Ida y vuelta de Mario Benedetti. Escrita em 1955 e levada em cena três anos depois, é um belo exemplo do chamado teatro de entretenimento.

          A ação se passa em Montevidéu, que desconhecia as grandes crises. E se inicia com Juan e Carlos saindo de um cinema. Interrompem a conversa sobre filmes para jogar cara ou coroa e assim decidir qual deles abordaria a jovem que por eles passava provocante. Começo de um romance que acaba em casamento. Depois, uma rápida ameaça de separação que, resolvida, leva a um final feliz.

          Sobre isso diz o Autor: O personagem nacional não tem coerência. Primeiro, quer uma coisa; depois, outra. Nunca está de acordo consigo mesmo.

          E o Autor é o principal personagem da peça. Ao levantar o pano, lá está ele sentado diante de uma escrivaninha cheia de papéis, explicando o que pretende. Quer mostrar um casal que nada tenha de especial, nem mesmo os nomes pois um se chama Juan e o outro Maria. E duvida que se possa fazer teatro com tais personagens.



          Ao longo da comédia, em dois atos, ele não sairá de cena. Expõe suas teorias sobre o dramático: as longas deixas fazem mal ao teatro; a ternura é válida para o cotidiano e não para a cena; é mais fácil fazer teatro com a Revolução Francesa do que com um bolero. A tudo isso, se entremeiam as observações sobre a crítica, a profissão de ator e as questões técnicas e temáticas que precisa enfrentar no decorrer do espetáculo.

          Assim, ordenando as mudanças de cenário, chamando os atores para o palco, informando aos espectadores sobre o tempo decorrido, atuando como figurante ou como ator e interferindo na cena e no roteiro, ele é o dono absoluto de seus personagens. E os irá conduzir em ações corriqueiras, coerentes com aquilo que são: simples, comuns, despretensiosos e com essa visão de mundo de uma certa classe média profundamente provinciana e alimentada pela admiração submissa aos valores europeus.

          E é essa visão de mundo contida nas suas réplicas e reafirmada nos monólogos e interferências do Autor, ingenuamente jocosas, que terá o significado maior: dizer da incapacidade de olhar para si mesmo e de se reconhecer livre de parâmetros alienígenas.

          Constatação que irá permitir à comédia de Mario Benedetti ultrapassar a espontaneidade do riso na busca de reflexões: sobre o fazer do teatro, sobre as relações individuais, sobre o papel dos intelectuais, sobre essa nostalgia de desconhecidas benesses que domina a elite do Continente.

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