domingo, 14 de abril de 1996

Na paisagem


    Aquele que está trabalhando pela felicidade dos outros não pode se deitar para dormir no meio do caminho.Enrique Solari Swayne
 
          A intenção de Enrique Solari Swayne ao escrever o drama Collacocha está expressa na dedicatória que antecede a obra e que por vontade sua deve constar no programa cada vez que houver uma apresentação da peça. Dedico esta obra, em geral, a todos os que estão empenhados, generosa, sadia e vigorosamente, em forjar um Peru mais justo e mais feliz. Em forma especial, dedico a todos aqueles que estão empenhados na habilitação de nossa terra como moradia do homem. Porque, talvez, eles também poderiam dizer, com o protagonista da obra: “Estamos combatendo a miséria humana e estamos construindo a felicidade dos homens do futuro”.

          Escrita em 1955, Collacocha estreou três anos depois em Lima onde, como no México e na Espanha, seu êxito foi estrondoso e extremamente significativo. Expressou uma compreensão incomum neste Continente que apenas parece reconhecer o talento em obras vindas de outros hemisférios ainda que – ou exatamente por isso – feitas de nada ou de muito pouco relacionado com a realidade do Terceiro Mundo.

          E Collacocha é essencialmente latino-americana. Pelo cenário, pelos personagens, pela dialética que a alimenta e permite que a vejam como uma obra épica.

          O cenário, para os três atos, se constitui de uma cabana de troncos que se apoia nas pedras da Cordilheira dos Antes. Numa das paredes, uma grande abertura se abre sobre o abismo. Na outra, uma porta conduz à socava que se comunica com o túnel. No interior da cabana, espaço rústico e sombrio, rodeados de seus instrumentos, trabalham os engenheiros com o objetivo de abrir o túnel que irá unir a selva peruana ao Oceano Pacífico. Os personagens, exceto “uma jovem” que pronunciará duas palavras, são todos masculinos. Entre eles, sobressai o engenheiro responsável pela obra cujo  sonho, combater a miséria  e construir a felicidade dos homens do futuro – mostra-se possível. O seu sonho – combater a miséria e construir a felicidade dos homens do futuro – mostra-se possível e o preço pago se dilui na realidade da conquista: o túnel permitindo a união da selva com o mar, o caminhão passando por pequenos povoados pobres, por lugares desolados e áridos, instaurando uma nova era. Ele  acredita no seu trabalho como numa missão: habilitar o país a ser a terra dos homens, abrir estradas para que eles possam se aproximar uns dos outros. E por não ter dúvidas sobre o ideal que lhe comanda as ações é que se pode indignar com as grandes mentiras, com os grandes negócios, com as palavras ocas, com os arrivistas. Com a situação do país onde ninguém trabalha mas todos falam. Uns de insignificâncias, outros de sua fome, outros de idéias gerais.

          Patriotismo agressivo e consciente que se suaviza no momento de perigo, quando, encurralados pelo perigo da enchente, surgem as evocações da paisagem peruana. Paisagens cheias de luz, campos possuídos de cafezais iluminados no entardecer, altos eucaliptos se perfilando contra as montanhas rosadas, as dunas violetas, o horizonte vermelho e as rochas negras do litoral, a selva com sua exuberância morna, infinita [...], o correr lento dos grandes rios, a vida aprazível dos povoados ribeirinhos , a praça deserta na tarde, a igreja fechada, o burro amarrado numa árvore.
          Imagens radiosamente desenhadas. Impressões de algo que foi vivido e amado. Nas palavras, bem claramente expressas, as certezas, as emoções, as constatações. Como quando alguém exclama:  País não nos falta, o que nos faltam são homens!

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