Después del diluvio começou a ser escrita em julho de 1969 no Chile e, em abril de 1971,
na cidade de Praga ela foi terminada. E, já em outubro do mesmo ano, era editada
pela Editorial Pomaire.
Carlos Droguett já havia
publicado muitos de seus romances – Eloy,
Patas de perro, El compadre – quando se aventurou nessa peça de teatro que ainda
guarda da técnica do relato os densos textos aprisionados nos parênteses que
aparecem entre as réplicas.
Sua gênese se ancora na
infância e na adolescência de Carlos Droguett. Ao escrever a longa Introdução à
obra, em meio das lembranças e das divagações, explica a figura de Noé: personagem inquieto e múltiplo, cheio de
vinho, de desejos inconclusos que
sobrevive ao dilúvio na solidão imensa e devoradora do homem que precisou
optar. E ele escolheu se salvar, sabendo que todos os outros morreriam.
Onze quadros constroem Después del diluvio. Feitos nada mais
que de palavras. Das que diz Noé para seu filho Cam, para sua mulher, para seu
amigo gigante e daquelas que deles e de Sem e de Jafet, seus outros filhos, ele
escuta.
Toda a ação – a louca
construção da arca – é apenas referida e, em cena, somente os medos, as angústias,
as dúvidas. Después del diluvio é um
admirável dizer, um dizer profundo, um fantasioso, preciso espelho do coração
humano.
Da história bíblica – um
homem escolhido, uma arca, os animais judiciosamente aceitando a temporária prisão
– surge um Noé que se debate na sua própria essência, lamentável e viciosa, no
seu passivo aceitar da vontade divina, na sua perene dúvida, no seu remorso.
Ele cumpre o destino.
Salva-se das águas sem mensurar erros nem vilanias e o silêncio que deve reger
cada um de seus atos, por vezes se quebra, quer se quebrar, mas é defendido
pela descrença dos esquecidos, dos condenados a morrer na água.
É um silêncio tinhoso de
quem não mente mas tem ações mentirosas, diz Cam a seu pai quando, no meio da
lama, interminavelmente, conversam.
Noé se defende de não ter
dito que, dentre todos, só ele e sua família se salvariam e os animais. Inquirido,
uma circunstância – a chuva se derramando forte, o interlocutor se afastando
incrédulo – impede-lhe a resposta. Quando anuncia a chuva e o fim próximo, o
tomam por louco, por bêbado, por doente, por mentiroso.
Mas, é acusado de ter
silenciado: -Por que ficaste mudo com esse segredo atroz no teu
corpo?”, pergunta-lhe o filho. E pergunta-lhe: por que te embriagaste, por
que roubaste, por que mataste? Por que te submeteste à vontade de Deus?
Nessas perguntas, o justo
Noé bíblico – o homem designado para perpetuar a espécie humana quando Deus decidiu
destruí-la pela sua maldade e pelo seu pecado – está delineado à medida do
homem. Sabe-se igual aos outros na embriaguez e nas libidinosas aventuras.
E Cam, o filho que o
interpela e o torna a interpelar como que buscando, obcecado, o pai bom e sem
mácula, o eleito, o único merecedor de salvação, reiteradamente questiona esse trágico privilégio que poupa alguns,
sentenciando, cegamente, à morte os demais: também
os doentes, também os anciãos, também as crianças recém-nascidas.
Da história escrita há mil
anos e das interrogações infantis de Carlos Droguett, surge, então, esse Noé
condenado a viver.
Um Noé do texto sagrado e
dos textos orientais, um velho patriarca
que apreciava o cheiro das fêmeas e do vinho e que, partindo desses vícios que
o dividiam em dois, para sua desgraça e sua sobrevivência teve a coragem de
suportar e de aceitar a malvada palavra de Deus, o ineludível mandato:
converter-se no testamenteiro e no depositário desse final de jogo que foi, em
definitivo, o dilúvio universal.

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