Nueva Sociedad sai em Caracas. Uma revista dedicada, fundamentalmente, ao estudo das
realidades políticas, sociais e econômicas da América Latina. No seu número 35,
de março/abril de 1978 publicou um conto: “La Mancha”.
Seu autor, o chileno Antonio
Skármeta vivia, então, no exílio como tantos outros intelectuais e escritores
latino-americanos levados ao êxodo pelas ditaduras. E, como a grande maioria,
lutou contra ela usando a palavra. Nesse conto, diz Sebastian Bello que dele
faz a apresentação, ele procura um dos múltiplos caminhos literários possíveis,
o conto infantil.
Daí iniciar-se o conto
exatamente como soem começar as histórias infantis: Era uma vez... Desta feita Era
uma vez um planeta que era uma mancha.
Mancha longa e magra que o professor de outro planeta definia como espessa, inapagada e intolerável. E os
alunos suspiravam, desejando não serem contagiados por ela. Até a
desconheceriam se não fosse pelos seus habitantes que fugiam, pedindo refúgio.
Então, as mulheres secavam as lágrimas
das crianças fugitivas e lhes ensinavam as palavras claras e luminosas dos
astros. Palavras como “ar”, “pão”, “companheiro”.
Primeiro dizendo quem
governava La Mancha e logo como era seu povo, a história começa a ser contada.
Depois, os métodos do tal governante para conseguir enriquecer e como foi seu
triste fim e o conseqüente renascer da felicidade no planeta.
O governante atende pelo nome de El Oscuro (e pelos
cognomes de Benfeitor e Pai do Planeta, dados pelos amigos e de gorilita, dado
pelos outros) e tem as mãos peludas e um coração que não bate. Sua comida se
constitui de sopas sombrias, carnes defumadas, vinhos lúgubres e sobremesas
tétricas. Mora no quartel. O amigos se chamam opacos, não possuem coração e lhe
induzem os atos prometendo-lhes honras e papeizinhos verdes. Papeizinhos verdes
que são a sua paixão mas ele só age, de fato depois de consultar o espelho.
Assim, decide acabar com a
luz que ilumina o país pelos olhos de seus filhos e, para convertê-lo no paraíso que almeja, determina que se
torne um país férreo e disciplinado.
Diante do Presidente, no
Palácio do Sul, que vê o povo dançar feliz – as pessoas pareciam lindas como uma brisa – ele jura fidelidade para, na madrugada seguinte, usando tanques, helicópteros, foguetes, aviões,
metralhadoras, pistolas, onagros, fuzis, balestras, e boleadoras, bombardear e
triturar tudo o que havia.
Antes, os opacos haviam
distribuído papeizinhos verdes para que os caminhoneiros não carregassem as verduras,
para que os médicos não tratassem os doentes, para que as pontes fossem
explodidas, para que os comerciantes fechassem as portas.
Então, em meio á casas
chamuscadas, fogueiras de páginas de livros e lágrimas, tudo se transformou
tanto que a galáxia inteira se espantou com a
cor de um morto, a textura de um cadáver, a gravidade de um túmulo, a
profundidade de um sepulcro, o
silêncio de uma fossa que marcava esse novo planeta que chamaram La Mancha.
Mas, os que foram mortos
espalhavam muita luz e o olhar dos vivos cintilavam, alimentados de esperança,
vencendo o tempo da escuridão e o planeta se livra de El Oscuro para tornar a
ser o que era antes. Até no nome.
O autor que se insere na
narrativa, diante do óbvio que é chamar o planeta com o nome que sempre tivera
pergunta: Mas como os leitores vão saber
qual era? Adivinhando, responde um menino.
Na verdade, rastreando ao
longo do conto, levando a sério o que era para rir, facilmente, o leitor reconhece
cada um dos elementos da paródia.
Porque basta um nome entre
os adjetivos usados para rotular El Oscuro – suntuoso, faustoso, grandioso, Augusto, majestoso, maiúsculo,
cerimonioso, enfático, fanfarrão, farsante, faroleiro, fantoche, aparatoso,
pomposo e opulento; basta ter sido a primavera a época escolhida por ele,
para iniciar seu trabalho de destruição feito pelos conhecidos métodos; basta o
mapa do Chile entre os planetas e aviões e paraquedas, pandorgas e pássaros que
El Oscuro desenha na vertical e na horizontal, para saber de que espaço
latino-americano é que se trata.
Um espaço que nessa década
de 70 estava mergulhado no horror de uma ditadura igual às de sempre no
Continente e que Antonio Skármeta fantasiando, imagina ter chegado ao fim – um
país reabilitado e feliz – o que na época da publicação do conto ainda estava
bem longe de acontecer.
Para o escritor chileno,
porém, já era tempo de fazer dessa ditadura algo de risível.


Nenhum comentário:
Postar um comentário