Antonio Skármeta era
professor de Literatura na Universidade de Santiago do Chile quando, em 1973,
teve que escolher entre ficar no país, dominado pela repressão e dela sofrer as
consequências ou pedir asilo político.
Foi acolhido pela República
Federal Alemã onde viveu sem precisar esconder suas convicções ideológicas e
sem deixar de lutar contra a ditadura instalada no seu país.
Em 1968, havia recebido o
Prêmio Casa de las Américas por seu livro de contos Desnudos en el tejado e essa agressiva indução ao riso que nele
está presente emergirá, também nos seus escritos posteriores.
O conto “La Mancha”,
publicado na revista venezuelana Nueva Sociedad
(nº 35, 1978) é uma crítica ácida ao golpe militar que destruiu a democracia
chilena e levou à morte milhares de pessoas, mascarada numa troça que, evitando
proselitismos e indignações,que se expressa, sobretudo,pelo cômico. Um cômico,
sem dúvida, corrosivo, mimeticamente fantasioso.
Na enumeração dos epítetos
que rotulam o governante desse planeta
surgido, de repente, na galáxia, aparece entre os adjetivos, escrito em
maiúsculas, exatamente o nome do general responsável pelo golpe: Augusto. Sua
figura será completada pela menção aos óculos que usa permanentemente. Muito
escuros e de lentes grossas.Com eles, inclusive, aparece no retrato onde, de
braços cruzados, cravava os óculos no universo. Também pela preferência à
dor de cabeça terrível que o acomete quando precisa pensar .Igualmente, lhe
completam o perfil os cognomes que os amigos
lhe atribuem – esperança nossa, pró-homem, supremo nosso, benfeitor,
pai da pátria – e a rusticidade de seus métodos: acredita que irá dominar o
povo com a espada; que evitará críticas se mandar matar todos os cidadãos do país
e expulsar os correspondentes estrangeiros do território nacional; que estará
melhor protegido se promulgar leis que declarem ilegais tanto os cristãos como
os protestantes, tanto os muçulmanos como os rosa-cruzes, tanto os teosofistas
como os carvoeiros e os vegetarianos. E permitir a seus amigos lançar um edito
para que sejam quebradas as mãos dos guitarristas e os bancos dos ciclistas e subtraídas as bengalas dos velhos.
Além da incongruência dessa
vontade sem limites e sem lógica, e da necessidade de consultar o espelho diante das
dificuldades, se mostra como um fantoche desprovido de coração e com olhos que
acabam por se mostrar como que feitos de
coquinho.
Se por um lado, sua consulta
ao espelho, assim como as palavras que
iniciam o conto, Era uma vez..., remetem ao conto de fadas tradicional, como, por
outro, a subserviência em relação à
resposta que irá direcionar sua vontade – atacar o Palácio do Governo e ordenar
a matança do povo – em se tratando do
Continente, não impede imaginar de qual planeta
ela vem.
repúdio em ver a
realidade, como, simplesmente, a incapacidade de enxergar. O quê, de certa maneira,
não está longe da incapacidade de pensar em outra coisa que não seja a obtenção
dos papelitos verdes, eufemismo carinhoso
para os cobiçados dólares. Papelitos
verdes que o governante sempre quer mais e mais, justificando o adjetivo opulento
com o qual é designado pela narrador e que, juntamente com outros, um tanto quanto
pejorativos, está longe de ser adequado para qualificar um Presidente.
Sobretudo, quando os adjetivos que designam seu povo – cordial, suave, simples,
afável, humilde, discreto, amável, sincero – criam um discordante maniqueísmo.
Tão risível quanto essas palavras indicando objetos em desuso – aldravas,
balestras, onagros – ou que aparecem nas enumerações de uma estranha
miscelânea. Miscelânea apenas possível num mundo de fantasia onde a Via Láctea
possa congregar planetas, estrelas, luzeiros, burros voadores, pégasos,
aerolitos, foguetes, aviões, cometas, zepelins e onde La Mancha, o novo planeta
que se move para trás se comporta como um satélite cuja rota é fácil
identificar nessa galáxia presumivelmente posta
em ordem pelos papelitos verdes. Que ensejam ao
Presidente, desejoso de um Poder infinitamente irrefutável, poder dizer a seus
acólitos: Vocês me ungiram Presidente.
Com o mesmo direito, me nomeiem Papa.

Nenhum comentário:
Postar um comentário