Claro, outras coisas mais importantes posso
dizer sobre a Revolução Cubana, mas não as digo em voz alta nem por escrito
porque ó os bobos se atrevem a explicar o amor. Eu não explico o amor: uso (ou
abuso?).
Em 1979, a revista Casa de las Américas, publicou nos seus números 111 e 112 a resposta de escritores à pergunta “o quê tem significado para você a Revolução
Cubana?” Entre os dezenove latino-americanos cuja resposta, em prosa ou em verso, apareceram no número 112, está Gabriel García Márquez.
Seu texto é muito breve.
Primeiro, ele remete à outra pergunta que lhe fora feita, à queima roupa, por
um amigo no México: Como seria você hoje
se a Revolução Cubana não tivesse sido feita? Lembra que, naquele momento, assustado, somente lhe ocorreu responder com uma boutade:
é impossível
saber como a gente seria se fosse crocodilo.
Só depois é que entendeu a
transformação que nele se havia operado a partir do momento em que deixou de
acreditar que o pleito milenário entre os
pobres e os ricos não iria se resolver com uma cíclica eleição
presidencial.

Esse entender, ele diz, o livrou
de ser não apenas um escritor cujos livros foram traduzidos para vinte e cinco
idiomas mas, certamente,o livrou, também, de ser embaixador de seu país, membro
de alguma Academia de Letras e quem sabe, presidente da República. Porque os encarregados de repartir essas
prebendas se cuidaram muito comigo porque minha solidariedade descarada e
teimosa com a Revolução Cubana me converteu numa espécie de delinqüente social,
perigoso embora inevitável (ou iniludível).
Ao receber, em 1982, o Prêmio
Nobel de Literatura, seu discurso diante da Academia Sueca, foi a prova mais
acabada do que dissera três anos antes.
Menciona o delírio áureo dos ibéricos, aportando no Continente e a
insanidade de muitos de seus governantes no tempo que se seguiu à independência
do domínio espanhol; relaciona a morte de crianças latino-americanas antes de
completar dois anos, os desaparecidos durante os regimes de exceção; as
crianças nascidas em prisões políticas que foram doadas clandestinamente e cujo
paradeiro as mães ainda ignoram; o exílio que depauperou quase todos os países
da América Latina; e reivindica o direito de empreender a utopia, uma nova e arrasadora utopia da vida onde
ninguém possa decidir por outros até a forma de morrer, onde, na verdade, seja
certo o amor e possível a felicidade e onde as estirpes condenadas a cem anos
de solidão tenham por fim e para sempre uma segunda oportunidade sobre a terra.
Um texto poético finalizando o
discurso, vago na expressão de sua esperança (e o amor e a felicidade) e
convicto de que tudo já esteja claro, presente quando proclama o direito à
liberdade e à vida.
Porque são poucos os que não
sabem que a vida e a liberdade no Continente (onde a submissão comanda os
decrépitos e ambiciosos governantes) estão sempre e continuamente ameaçadas.
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