domingo, 3 de março de 1996

A resposta . 1

 Claro, outras coisas mais importantes posso dizer sobre a Revolução Cubana, mas não as digo em voz alta nem por escrito porque ó os bobos se atrevem a explicar o amor. Eu não explico o amor: uso (ou abuso?).
 

            Em 1979, a revista Casa de las Américas,  publicou nos seus números 111 e 112 a resposta de escritores à pergunta “o quê tem  significado para você a Revolução Cubana?” Entre os dezenove latino-americanos cuja resposta, em prosa ou em verso, apareceram no número 112, está Gabriel García Márquez.  

            Seu texto é muito breve. Primeiro, ele remete à outra pergunta que lhe fora feita, à queima roupa, por um amigo no México: Como seria você hoje se a Revolução Cubana não tivesse sido feita? Lembra que, naquele momento, assustado, somente lhe ocorreu responder com uma boutade:
é impossível saber como a gente seria se fosse crocodilo.

          Só depois é que entendeu a transformação que nele se havia operado a partir do momento em que deixou de acreditar que o pleito milenário entre os pobres e os ricos não iria se resolver com uma cíclica eleição presidencial.



           Esse entender, ele diz, o livrou de ser não apenas um escritor cujos livros foram traduzidos para vinte e cinco idiomas mas, certamente,o livrou, também, de ser embaixador de seu país, membro de alguma Academia de Letras e quem sabe, presidente da República. Porque os encarregados de repartir essas prebendas se cuidaram muito comigo porque minha solidariedade descarada e teimosa com a Revolução Cubana me converteu numa espécie de delinqüente social, perigoso embora inevitável (ou iniludível).

          Ao receber, em 1982, o Prêmio Nobel de Literatura, seu discurso diante da Academia Sueca, foi a prova mais acabada do que dissera três anos antes.

          Menciona o delírio áureo dos ibéricos, aportando no Continente e a insanidade de muitos de seus governantes no tempo que se seguiu à independência do domínio espanhol; relaciona a morte de crianças latino-americanas antes de completar dois anos, os desaparecidos durante os regimes de exceção; as crianças nascidas em prisões políticas que foram doadas clandestinamente e cujo paradeiro as mães ainda ignoram; o exílio que depauperou quase todos os países da América Latina; e reivindica o direito de empreender a utopia, uma nova e arrasadora utopia da vida onde ninguém possa decidir por outros até a forma de morrer, onde, na verdade, seja certo o amor e possível a felicidade e onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham por fim e para sempre uma segunda oportunidade sobre a terra.

          Um texto poético finalizando o discurso, vago na expressão de sua esperança (e o amor e a felicidade) e convicto de que tudo já esteja claro, presente quando proclama o direito à liberdade e à vida.

          Porque são poucos os que não sabem que a vida e a liberdade no Continente (onde a submissão comanda os decrépitos e ambiciosos governantes) estão sempre e continuamente ameaçadas.

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