Consta, na edição da Seix
Barral de Barcelona, que se trata de uma foto da imprensa. Cobre a capa inteira
em tons de cinza que vão escurecendo até o preto. Próximo à cabeça inclinada para
um lado onde os olhos, ainda abertos se fixam no alto, o cano da espingarda.
Manchas de sangue sujam-lhe uma parte do rosto e da roupa e um cobertor, talvez
o seu poncho, o envolve ou está jogado sobre o peito.
Essa mesma foto será
estampada na edição brasileira de Eloy
(Codecri, 1981). Mas, apenas a cabeça e o cano da espingarda, encerrados num
pequeno círculo – a letra O do título – se inscrevem, juntamente com quatro
pingos vermelhos no campo violeta onde, além do título do romance, do nome do
autor, em branco, aparece o texto: Pôs a
cara de lado para sentir a umidade que o aliviava e se lhe comunicava e
impregnava o cheiro do sangue, o cheiro das violetas.
Texto que sublinha a
sugestão da capa, enlaçando a crueza de sua morte, crivado de balas, ao lirismo
com que essa morte é contada na ficção de Carlos Droguett.
Já muito ferido e débil,
quase morrendo, Eloy ainda está ligado à vida também pelo perfume das violetas
que o envolve. A aproximação da morte talvez pressentida, o arraigo à vida
alimentado de lembranças, de planos para o futuro que não quer acreditar
incerto e esse aspirar do perfume que se lhe oferece unem seus últimos momentos
de vida.
Nas últimas linhas do
romance, o perfume se lhe amontoa no
rosto e lhe parece forte e suave e
persistente. Porém, mais que sentir o perfume, Eloy se agarra nas flores,
tem o rosto coberto por elas e os ombros e as costas e as mãos. São boas, diz para si mesmo e na fadiga
que o domina, perdendo o sentido da realidade está ou não coberto de flores que
parecem cair sobre ele lhe fazendo crer que o abrigariam no breve descanso que
deseja. Imagina que as flores continuam a cair, a crescer sobre as árvores, a
subir com o nevoeiro. Já pouco entende do que vê ou escuta. Chegam-lhe as
lembranças do passado e, novamente, o
perfume das violetas se lhe amontoa
nas narinas. Logo, um outro pensamento e a morte.Ao reescrever o romance e
publicá-lo na sua versão definitiva, em 1994, pela Editorial Universitária de
Santiago do Chile, Carlos Droguett conserva intactas essas duas frases escritas
na versão de 1954, publicada pela Seix Barral em 1959. Mas, entre elas se
inserem vários acréscimos.
No primeiro texto, o de
1954, esse perfume que chega até Eloy lhe parece forte e suave e persistente e as flores se lhe afiguram boas. No texto definitivo, de 1994, o
perfume que lhe invade as narinas nunca
foi tão inteiro, leal, nobre, franco e persistente, fino e humilde.
As flores, por sua vez, se lhe afiguram muito
boas.
Mas, não é somente o
qualificar o perfume com sete adjetivos que, inclusive, são próprios para
qualificar seres humanos e aumentar a qualidade das flores com o advérbio muito que registra ter-se intensificado
o relacionamento de Eloy com as violetas e o perfume que delas emana. É sobretudo
nos três verbos acrescentados – recebendo-as, aceitando-as, impregnando-se com
elas – que se expressa uma afetividade talvez explicada pela solidão em que se
encontra Eloy, ao entender que é, unicamente nas violetas e no seu perfume que
ele encontra o seu último refúgio na terra dos homens.
Porque deles, de suas mãos é
que lhe está chegando a morte.
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