A edição francesa de Eloy, publicada pela Maspero de Paris,
em 1977, tem na capa uma gravura. Em fundo branco, desenhada em traços pretos,
uma cabeça de cavalo. Na edição de Eloy
da Editorial Universitária que apareceu em julho de 1994 no Chile, a capa, em
fundo branco, reproduz um fragmento de “Al galope sobre la tierra” de José
Venturelli: dois cavaleiros, de poncho e chapéu de abas, lançam com ímpeto os
cavalos por montanhas e bosques. Um deles, segura uma carabina.
E a carabina foi a escolha
de Eloy na noite chuvosa em que, trabalhando como sapateiro, presenciou a
invasão da casa pela polícia em busca de seu amigo.
Os gritos de pavor, os horríveis gritos feridos e cheios de sangue o levaram a uma
decisão como que determinada por esse cavalo que de repente estava diante de
sua janela. Teve somente que espichar a mão para pegar a arma dependurada na
sua sela e atirar. Acossado anos depois pela polícia, pensa nesse cavalo, parado
diante de sua janela, batendo com os belfos no vidro, que o tinha chamado: Esse cavalo tinha vindo me buscar, balbuciou,
tinha parado para me esperar lá fora e quando me salpicou com um pouco de chuva
e um pouco de baba era para me chamar a atenção e me fazer entender.
Assim diz o texto de 1959.
Quando Carlos Droguett reescreveu Eloy,
na sua edição definitiva, esse chamado significa mais, como se fosse uma
predestinação: Esse cavalo vinha me buscar, a mim – se persignou – e a
ninguém mais, se plantou como o destino lá fora e quando me salpicou com um
pouco de chuva e um pouco de baba foi para chamar a minha atenção e fazer com
que eu entendesse.
Daí a impossibilidade de fugir, de recusar o caminho
proposto, o caminho definido. Mas, permanece nos dois textos o mesmo chamado à
compreensão.A compreensão de que não era suficiente essa vida de decência no
seu humilde e terreno ofício nas aforas da cidade.
Havia sentido medo. Talvez, desejado ajudar ou vingar o
amigo perseguido. E foi o momento em que optou por uma vida antagônica àquela
que embora vivendo dentro da lei não o isentava de presenciar violências, nem
de temer.
Nas últimas linhas do livro que lhe conta a história, edição
de 1959, quando está ferido e rodeado por soldados, mais do que na escolha que
mudou sua vida pensa no cavalo que o veio chamar empurrando o focinho contra o vidro e que, no seu entender, a
determinou.
Na versão definitiva do romance, publicada em 1994, esse
chamado mais incisivo e extraordinário – o cavalo chegou batendo e chamando com o focinho – reforça a imagem do homem
marcado, escolhido.
Escolhido para ser fiel a si mesmo, enfrentando os perigos
que ameaçam a todos os que vivem longe do rebanho.
E quantas vezes o rebanho não sabe fazer distinções.
Nenhum comentário:
Postar um comentário