domingo, 2 de abril de 1995

De boa cria

 
          Romancista dos campos gaúchos, assim o chama Carlos Jorge Appel, lembrando que, nos poemas que antecederam o seu romance Memórias do coronel Falcão, ele havia se preocupado em mostrar os aspectos básicos da vida do campo.
          Sem dúvida, foi com emoção que Aureliano de Figueiredo Pinto procurou fixar as lides e as virtudes do gaúcho em versos que durante muito tempo circularam apenas entre amigos. Somente em 1959, enfim, consentiu em vê-los publicados. Saíram sob a chancela da Editora Globo reunidos num volume que chamou Romances de estância e querência. Com subtítulo, "Marcas do tempo", remetendo a um passado que não pode ser esquecido e que, certamente, adquire os tons do saudosismo idealizador, origem da poesia gauchesca feita pelo homem da cidade.

          Em Romances de estância e querência a emoção desse voltar-se para o passado, cristaliza imagens e tipos e sentimentos que não se ensombrecem mesmo quando o tema assim o poderia exigir: o velho só e desamparado, aproximando-se do fim; a decadência do tropeiro que perdeu o juízo; o drama da morte do herói (ou da vítima) da revolução.

          Quadros dos trabalhos campeiros, desejo de fixar um objeto, uma lenda. E, inserindo-se nessa tradição literária evocadora, um ou outro momento de situações degradadas: a tristeza do que nasceu e viveu em campo alheio e um dia é mandado embora; ou daqueles que por algo menor - um furto, uma briga - se viram encerrados no Presídio Municipal.

          E, um ou outro momento em que velhos valores são expressos por uma figura feminina.

          Num longo poema, "A oração do posteiro", conselhos são lembrados pela voz do filho que, em visita ao túmulo da mãe, pede a sua ajuda para continuar, ainda que pobre, a conduzir seus filhos nos princípios que dela recebeu, norteados pela lealdade e pela coragem.

          Noutro, é o relato da proeza de um guri. Como os outros, procura fazer o trabalho do pai ausente, lutando na revolução e se faz de domador. Mas, agüentou pouco e Lá pelo oitavo corcovo, / se foi de ponta-cabeça, / escalavrando a carita, / maneando no tirador, / e o braço esquerdo quebrado.

          A mãe, ao encanar-lhe o braço com taquaritas foi falando de manso que logo que estivesse bom ele iria domar outra vez até aprender a não cair. Porque o pai, ao voltar, não iria querer ter um filho fraco e covarde que ande a cair do cavalo.

O poema se chama "De boa cria" e na orientação dada pela mãe, está expresso um dos valores mais cultivados pelos gaúchos: a valentia. Sem dúvida, imprescindível no universo de trabalhos duros e de constantes lutas que os homens desses primeiros anos de formação do país deviam empreender.

          Mas que, sobretudo, se transformaria numa visão de mundo cuja origem, no dizer de Euclides da Cunha, estaria nesse viver em planícies imensas e devastadas que impedem esconderijos e negam a proteção, levando a enfrentar de peito aberto os perigos.

          Síntese dessa visão de mundo que no livro de Aureliano de Figueiredo Pinto está na pequena quadra: Que medo que a pobre tem / que o filho morra na guerra! / Mas o temor que a soterra / o pavor, que é o seu segredo, / é que o filho tenha medo / de ser valente na guerra.

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