Talvez seja um momento de
pausa, de certa ausência da palavra. Como se aquele dar voz aos que não a tem
não fosse mais necessário num Continente que se diz, nesses últimos tempos,
democrático e livre.
Os anos difíceis de lutas,
prisões, exílios, desaparecimentos, mortes, amainaram. Resta sempre a miséria e
tudo o quê dela se segue, a perda dos que optaram por não mais retornar e as
traumáticas emoções dos que voltaram.
Como uma espécie de limbo,
de interregno: repensar, reencontrar forças, tornar ao ofício, buscar o tom
preciso para contar o que se passou, o que se passa no Continente.
Luiz Sepúlveda, nascido em
Ovalle, no Chile, em 1949, o encontra no romance policial cuja técnica, ele
diz, permite narrar de um ponto de vista
aparentemente fantasioso, fatos concretos de uma realidade que existiu e ainda
existe.
E, assim, ele quis construir
Nombre de torero, publicado pela Tusquets
de Barcelona, em fins de 1994.
Em busca de uma coleção de
moedas de ouro, roubadas durante a última guerra, um ex-guerrilheiro
latino-americano e um ex-agente secreto da RDA, mercenários a serviço de
interesses opostos, partem, um de Berlim, outro de Hamburgo, para o sul do Chile.
A aventura se inicia no
momento em que são acossados por estranhos e poderosos personagens que sob ameaças
os obrigam a aceitarem a tarefa de reaver e levar de volta à Alemanha as moedas
de ouro de que se julgavam donos.
Há pois, negociações em que
só um dos interlocutores tem possibilidade de decisão, necessários ardis, atos
de amizade e outros de represália e confrontos perigosos. Mas, certamente, uma
história que permite tratar também de algo que é desejado expressar: o fracasso
da geração que optou por uma luta política e que ao vê-la esfacelada precisa se
reencontrar.
O chileno Juan Belmonte é um
deles. Ele tem quarenta e quatro anos, lutou no Continente pelo marxismo em
várias frentes e se vê em Hamburgo. Trabalha no que é possível, vivendo, acuado,
o cotidiano de uma cidade racista. Nada é dito como lá foi parar após seus anos
de guerrilha e de lutas. Tampouco de sua vida, da razão de ter um nome de toureiro
e de como se salvou da ditadura chilena.
Dela não foi poupada
Verônica. Refugiada num mundo em que não mais chegue o horror da tortura, se
recusa a ver e a ouvir e a falar. É por ela e para ela que Juan Belmonte
trabalha e se submete à tarefa que lhe é imposta: encontrar a riqueza para os
outros.
E prevalece o amor nessa
história de muitos diálogos, de muita ação onde talvez haja um herói, talvez haja
uma recompensa. Onde, talvez, entre as aventuras e as lembranças, as traições,
as fidelidades, as perfídias, o que mais importa seja esse dizer de alerta.
Os rinocerontes de Ionesco
estão chegando outra vez.

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