domingo, 7 de maio de 1995

Aventura no sul

          Talvez seja um momento de pausa, de certa ausência da palavra. Como se aquele dar voz aos que não a tem não fosse mais necessário num Continente que se diz, nesses últimos tempos, democrático e livre.

          Os anos difíceis de lutas, prisões, exílios, desaparecimentos, mortes, amainaram. Resta sempre a miséria e tudo o quê dela se segue, a perda dos que optaram por não mais retornar e as traumáticas emoções dos que voltaram.

          Como uma espécie de limbo, de interregno: repensar, reencontrar forças, tornar ao ofício, buscar o tom preciso para contar o que se passou, o que se passa no Continente.

          Luiz Sepúlveda, nascido em Ovalle, no Chile, em 1949, o encontra no romance policial cuja técnica, ele diz, permite narrar de um ponto de vista aparentemente fantasioso, fatos concretos de uma realidade que existiu e ainda existe.

          E, assim, ele quis construir Nombre de torero, publicado pela Tusquets de Barcelona, em fins de 1994.
          Em busca de uma coleção de moedas de ouro, roubadas durante a última guerra, um ex-guerrilheiro latino-americano e um ex-agente secreto da RDA, mercenários a serviço de interesses opostos, partem, um de Berlim, outro de Hamburgo, para o sul do Chile.

          A aventura se inicia no momento em que são acossados por estranhos e poderosos personagens que sob ameaças os obrigam a aceitarem a tarefa de reaver e levar de volta à Alemanha as moedas de ouro de que se julgavam donos.

          Há pois, negociações em que só um dos interlocutores tem possibilidade de decisão, necessários ardis, atos de amizade e outros de represália e confrontos perigosos. Mas, certamente, uma história que permite tratar também de algo que é desejado expressar: o fracasso da geração que optou por uma luta política e que ao vê-la esfacelada precisa se reencontrar.

          O chileno Juan Belmonte é um deles. Ele tem quarenta e quatro anos, lutou no Continente pelo marxismo em várias frentes e se vê em Hamburgo. Trabalha no que é possível, vivendo, acuado, o cotidiano de uma cidade racista. Nada é dito como lá foi parar após seus anos de guerrilha e de lutas. Tampouco de sua vida, da razão de ter um nome de toureiro e de como se salvou da ditadura chilena.

          Dela não foi poupada Verônica. Refugiada num mundo em que não mais chegue o horror da tortura, se recusa a ver e a ouvir e a falar. É por ela e para ela que Juan Belmonte trabalha e se submete à tarefa que lhe é imposta: encontrar a riqueza para os outros.

          E prevalece o amor nessa história de muitos diálogos, de muita ação onde talvez haja um herói, talvez haja uma recompensa. Onde, talvez, entre as aventuras e as lembranças, as traições, as fidelidades, as perfídias, o que mais importa seja esse dizer de alerta.

          Os rinocerontes de Ionesco estão chegando outra vez.

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