domingo, 28 de maio de 1995

As nuanças


 
          Dyonélio Machado intitulou “Mulheres” dois de seus romances. Um deles permaneceu inédito e o outro foi publicado, em 1981, pela Editora Moderna de São Paulo, com o nome de Nuanças.

          Sua ação se passa em Porto Alegre entre 1941 e 1944.

          Manoel Martimiano da Rocha, operário e membro de um partido político ilegal descobre que foi traído pela noiva e que, delatado, pelo homem que a seduziu logo terá a polícia em seu encalço. Afasta-se da cidade por um tempo, e ao voltar, vive escondido. Casualmente, se encontra com a ex-noiva. Agora, ambos sabem o que desejam da vida e a reconciliação amorosa e o ver-se outra vez reintegrado à sociedade – nada, afinal, constava sobre ele – o tornam um homem feliz.

          Um romance que parece tratar de pequenas coisas, de pequenas aventuras, de umas poucas vidas que se cruzam com a de Martimiano e lhe traçam novos caminhos.

          Presenças femininas que, em meio a suas fugas e incertezas se mantém lúcidas e cujas histórias, ao delinear situações precisas mostram também o desejo de discutir o aparentemente imutável ou de registrar o que não devia ter acontecido.

          Carmosina, a noiva, fora se prostituindo em entregas sucessivas até reencontrar o homem que ama. Dona Vicenta é a velha senhora cordial que diante do perigo que ameaça o seu locatário, imediatamente se dispõe a ajudá-lo, encontrando-lhe um lugar onde se esconder, nas aforas da cidade, inclusive, carregando-lhe, os livros que numa batida policial soem ser considerados perigosos. Diante da curiosidade que seus gestos suscitam confessa ser a mãe de Vicente Altamira, líder camponês que atraído a uma emboscada policial fora morto a tiros.

          Indiretamente responsável pela delação de que Martimiano foi vítima, Carmosina o leva a mudar de vida no que, então, é ajudado por Dona Vicenta.

          No desenvolvimento da narrativa, têm, pois, uma e outra a função bem definida de modificar o curso dos acontecimentos.

          Função que se mostra menor diante do significado dialético compreendido nesse discutir da prostituição, presença constante na obra e nesse fixar de um ato de repressão, tanto mais comovente porque narrado a partir do sofrimento da mãe do jovem sacrificado.

          Razões suficientes para fazerem do autor um escritor marginal. Por que ousa falar do cancro social e da arbitrariedade vigente. Coisas que, para aqueles que estão acostumados a cultivar o que Dyonélio Machado chama de autismo sentimental, não existem.

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