domingo, 4 de junho de 1995

Quase em louvor do cinema

 
          Entre os mais belos poemas de amor que Pablo Neruda selecionou para compor Todo el amor, publicado em 1971 pela Losada de Buenos Aires, figura “Oda a un cine de pueblo”.

          Um desses poemas em que Pablo Neruda fixa um momento mágico de sua vida cuja ingenuidade aparente torna mais forte um dizer pleno de sugestões.


          Sem dúvida, nada mais modestamente simples do que a primeira estrofe, Meu amor, / vamos ao cinema do povoado. Seguem-se os versos  que dão conta do tempo – é noite e de bom tempo, pois, se trata de uma noite transparente de estrelas visíveis. Na mesma estrofe, outra vez, o tom prosaico tu e eu entramos no cinema do povoado, que se transforma com a informação de que é um cinema cheio de crianças e que cheira a maçã. Nele, na sua tela já da cor da pedra e da chuva, passam os velhos filmes: e a prisioneira, e os cavalos, e os vaqueiros furando com seus tiros a perigosa lua do Arizona e a luta e a avalanche implumada / dos índios / abrindo seu espaço na planície.
          Pablo Neruda se confessa com a alma em suspense diante desses ciclões de violência. E na estrofe seguinte – certamente o filme acabou e as luzes se acendem – nota que muitos jovens do povoado, dormiram cansados do dia de trabalho.

          O poeta retorna, nos últimos versos, ao vocativo inicial meu amor já agora para traçar – usando o pronome nós – um caminho de participação intensa. Um afã de viver plenamente, faremos nossas, todas as vidas verdadeiras e de acreditar nos sonhos, em todos os sonhos. Na aventura do futuro, na certeza de que será como deseja, envolve o ser amado, essa mulher que deseja a seu lado, companheira.


          A mulher que – diante daqueles velhos filmes de “cow-boy”, fazedores de festa na matinés de domingo, em que os altos e loiros, armados de armas de fogo eram sempre vencedores na destruição dos escuros e toscos – possa, como ele, se emocionar e temer pelos vencidos.Também, lastimar a perversidade das imagens, enfatizando um Bem passível de se transformar em Mal, ao sul do rio Bravo, se o olhar que sobre eles se pousam não estivessem a priori, obnubilados por conceitos falsos. A mulher que saiba sonhar com ele um outro mundo para o Continente.
          Em que desde crianças seus habitantes já soubessem distinguir os verdadeiros heróis quando na luta brilhasse a lua do Arizona.

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