domingo, 11 de junho de 1995

O efêmero

         Quando Jardin de invierno foi publicado em 1974, Pablo Neruda não mais existia. E esses versos que deixou são, muitas vezes, tristes e verdadeiros.
 
         Mas, embora já fosse possuidor da surpreendente compreensão que os anos e seu peso concedem a alguns e da melancolia definitiva que esse compreender, por sua vez, pode ocasionar, a sua ímpar e inigualável capacidade para encontrar tesouros em pequenos nadas, permaneceu intocada.
 
         Em Confieso que vivi, o poeta faz o relato de sua viagem à China, em 1957, e, por momentos, lhe descreve a paisagem que descobre muito próxima das velhas pinturas chinesas.

         Navegando pelo rio Yang-tsê-Kiang, tendo diante dos olhos suas margens cambiantes, sente que dessa natureza grandiosa se desprende uma profunda poesia: poesia breve e despojada como o vôo de uma ave ou como o relâmpago prateado da água que flui quase imóvel entre os muros de pedra.

         O efêmero, uma breve beleza que somente o olhar daquele que se confessa – o Simpósio organizado pela Biblioteca Nacional de Santiago, em 1964, para marcar os seus sessenta anos, registra essa confissão – perseguido pelos acontecimentos de sua vida e pela natureza que não deixa de chamá-lo com suas múltiplas vozes, pode reter. E, dessa fugidia imagem, criar algo de humanamente eterno.
 
         Como o encontro com o pássaro. Na primavera, na Normândia, elegante, patas delgadas, dois riscos azuis, nervosos olhos, ardentes plumas, se aproximou do poeta intrépido e curioso. Mas, ao encontrar um grão qualquer, um inseto qualquer, se afasta, abandona o enigma / deste gigante que fica sozinho / sem sua pequena vida passageira.
 
         O poema faz parte de Jardim de invierno e, reiterando um antigo tema – o pássaro – acompanhado de outro que nunca deixou de estar presente na sua obra mas que, nesse tempo em que se aproxima da morte, se faz mais constante e espontâneo: a solidão.
 
         Assim, esse poder se extasiar sempre diante da natureza, seja ela o bosque, a chuva, o mar, seus habitantes, o leva a descrever o pássaro que dele se aproxima aos pequenos saltos e que aos pequenos saltos dele se afasta e a interpretar-lhe o olhar, as interrogações nele contidas.
 
         Perguntas que o poeta, pobre humano possuidor apenas de um tempo limitado, não pode responder.
 
         Gigante diante do pássaro, é tão frágil quanto ele. Sozinho, é  dono também, de somente uma vida passageira.

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