domingo, 18 de junho de 1995

Parecer


          Foi preparado com três meses de antecedência para se constituir o acontecimento social do ano: um almoço que festejasse as bodas de prata do doutor Lácides Olivella com Aminta Dechamps.
          Ela mandara buscar galinhas vivas da “Ciénega de Oro”, famosas não somente pelo tamanho e pelo gosto mas porque nos tempos da colônia picoteavam em terras de aluvião e nas moelas eram encontradas pedrinhas de ouro puro. E subia a bordo dos transatlânticos de luxo para comprar iguarias de todos os lugares. Do convento de Santa Clara havia encomendado os doces e no jardim, onde as mesas haviam sido colocadas, um estrado fora feito para a banda que tocaria música nacional e para o quarteto de Cordas da Escola de Belas Artes que iria interpretar La Chasse de Mozart, La muerte y la doncella de Schubert e uma peça de Gabriel Fauré.
          Nas mesas – um lado para os homens, outro para as mulheres – um cartãozinho indicava o lugar de cada convidado onde havia impresso, em francês, o cardápio com vinhetas douradas.
          Embora se tratasse de um almoço campestre, a maioria dos convidados estava vestida com trajes escuros e gravata preta e as senhoras usando trajes longos e adereços de pedras preciosas.
          No entanto, houve um pequeno senão, contrariando preparativos e desejos: a chuva torrencial que, de repente, desabou, fazendo com que tudo passasse a acontecer no interior de uma casa, bem menor do que seu jardim. Os convidados nela se acomodaram como puderam, numa promiscuidade de força maior, que, naquele momento, anulou as superstições sociais do Continente.
          E enquanto a comida era servida nos quartos e nas salas por garçons que mal podiam passar entre um conviva e outro, os músicos executaram suas peças e a sobremesa foi oferecida depois do café pois só nessa hora é que, finalmente, chegou. Quando os convidados esperavam que os terraços fossem limpos dos estragos da chuva para poderem dançar – pois como tinha se iniciado, o aguaceiro havia parado de repente – o sol já se mostrava no céu sem nuvens.
          Porém, das iguarias servidas, nada é mencionado. Como, se para Gabriel García Márquez o importante fosse apenas dizer de um ritual, criado para expressar poder e riqueza e, então, estabelecer fronteiras.
          No almoço festivo em que comparecem o Doutor Juvenal Urbino e sua mulher Fermina Daza logo no início do romance El amor en los tiempos del cólera estão evidentes os limites que separam, não apenas os que possuem e disso fazem demonstração, dos que trabalham – arrumando as mesas, montando os estrados para os músicos, preparando a comida, servindo os convidados, executando peças musicais, limpando o recinto – mas, entre os que, pretensamente, pertencem à mesma classe social.
          Algo os faz pensar, porém, que fazem parte de uma elite sem se dar conta que, muitas vezes, ignoram ou esquecem as próprias raízes e que são, sobretudo, marcados pela necessidade de sobrepor o parecer ao ser.
          Uma visão de mundo que pode provocar situações diversas entre as quais aquelas dignas de riso.
          Delas, o Continente se mostra pródigo.

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