Foi preparado com três meses
de antecedência para se constituir o acontecimento social do ano: um almoço que
festejasse as bodas de prata do doutor Lácides Olivella com Aminta Dechamps.
Ela mandara buscar galinhas
vivas da “Ciénega de Oro”, famosas não somente pelo tamanho e pelo gosto mas
porque nos tempos da colônia picoteavam
em terras de aluvião e nas moelas eram encontradas pedrinhas de ouro puro.
E subia a bordo dos transatlânticos de luxo para comprar iguarias de todos os
lugares. Do convento de Santa Clara havia encomendado os doces e no jardim,
onde as mesas haviam sido colocadas, um estrado fora feito para a banda que
tocaria música nacional e para o quarteto de Cordas da Escola de Belas Artes
que iria interpretar La Chasse de
Mozart, La muerte y la doncella de
Schubert e uma peça de Gabriel Fauré.
Nas mesas – um lado para os
homens, outro para as mulheres – um cartãozinho indicava o lugar de cada convidado
onde havia impresso, em francês, o cardápio com vinhetas douradas.
Embora se tratasse de um
almoço campestre, a maioria dos convidados estava vestida com trajes escuros e
gravata preta e as senhoras usando trajes longos e adereços de pedras preciosas.
No entanto, houve um pequeno
senão, contrariando preparativos e desejos: a chuva torrencial que, de repente,
desabou, fazendo com que tudo passasse a acontecer no interior de uma casa, bem
menor do que seu jardim. Os convidados nela se acomodaram como puderam, numa
promiscuidade de força maior, que,
naquele momento, anulou as superstições sociais
do Continente.
E enquanto a comida era
servida nos quartos e nas salas por garçons que mal podiam passar entre um
conviva e outro, os músicos executaram suas peças e a sobremesa foi oferecida
depois do café pois só nessa hora é que, finalmente, chegou. Quando os
convidados esperavam que os terraços fossem limpos dos estragos da chuva para
poderem dançar – pois como tinha se iniciado, o aguaceiro havia parado de repente
– o sol já se mostrava no céu sem nuvens.
Porém, das iguarias
servidas, nada é mencionado. Como, se para Gabriel García Márquez o importante
fosse apenas dizer de um ritual, criado para expressar poder e riqueza e,
então, estabelecer fronteiras.
No almoço festivo em que
comparecem o Doutor Juvenal Urbino e sua mulher Fermina Daza logo no início do
romance El amor en los tiempos del
cólera estão evidentes os limites que separam, não apenas os que possuem e
disso fazem demonstração, dos que trabalham – arrumando as mesas, montando os
estrados para os músicos, preparando a comida, servindo os convidados,
executando peças musicais, limpando o recinto – mas, entre os que,
pretensamente, pertencem à mesma classe social.
Algo os faz pensar, porém,
que fazem parte de uma elite sem se dar conta que, muitas vezes, ignoram ou
esquecem as próprias raízes e que são, sobretudo, marcados pela necessidade de
sobrepor o parecer ao ser.
Uma visão de mundo que pode
provocar situações diversas entre as quais aquelas dignas de riso.
Delas, o Continente se
mostra pródigo.
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