Em 1973, a Noguer de Barcelona publicou El hombre que trasladaba
las ciudades, um romance construído a partir das Crônicas da Conquista da
América. Carlos Droguett, sem se afastar da verdade histórica contida nesse relato
oficial, o refaz dando-lhe vida e criando uma das mais perfeitas e belas obras
da Literatura do Continente. Uma expressão rara, como que feita somente de
achados, um sapientíssimo uso dos recursos romanescos fazem dessa obra um
impressionante itinerário onde predominam linhas sinuosas e repetitivas cujo
avançar e recuar permitem seja vislumbrado o universo desconhecido que os espanhóis
cheios de sonhos e se perdendo no tempo quiseram conquistar.
Quatro longos capítulos
correspondendo cada um deles a uma das mudanças de assento da cidade de Barco
constroem El hombre que trasladaba las
ciudades. Um texto em que o relato, a descrição, os diálogos e os monólogos
se entrelaçam habilmente e prescindem das convenções literárias usuais para
atingir um todo de harmonia perfeita.
Assim, o diálogo entre o
capitão Juan Nuñez de Prado e o padre Cedrón. E o diálogo entre Juan Núñez de Prado e Francisco Villagra.
Ora um narrador em terceira
pessoa, ora um narrador em primeira pessoa mostra o cenário povoado de soldados,
animais, sons e imagens de montanhas e de céu diluído na bruma. Mesclando-se às breves
descrições, o registro dos movimentos do padre Cedrón entre os soldados e dos
sentimentos e gestos do capitão em relação a ele. Presume que o olhar do padre
se pousará nele cheio de presságios e que ao ler os naipes irá ver a sua morte;
quer chamar o padre mas não se atreve e movimenta os borzeguins para chamar sua
atenção até que por fim opta por se levantar de onde estava. Sentado perto do fogo, o
padre fez um gesto e ele se aproxima. Só então, o diálogo se inicia e, tão simplesmente
- É um belo fogo, disse - que não
deixa prenunciar o tema que irá se impôr, estendendo-se por mais de duas
páginas: a figura de Cristo. Um Cristo venerado mas feito, verdadeiramente, à
imagem e à dimensão do homem.
Já o diálogo entre Juan
Nuñez de Prado e Francisco Villagra, o capitão que, partindo do Chile, pretende
tomar-lhe a cidade que fundara, é relembrado e, consequentemente, se mostra a
partir da ótica de um dos interlocutores. Em dado momento, Juan Nuñez
de Prado se pergunta de quem deve salvar a cidade. E explica a si mesmo suas
razões: Dom Francisco esteve aqui para me
roubar, me fez prisioneiro na minha própria casa, deitado na cama seus soldados
me amarraram e relata as palavras do capitão que pretendia convencê-lo a
abrir mão da cidade.
Logo, passa a reproduzir o
diálogo que tiveram, alimentado de dissensões. Os adjetivos que usa para qualificar
seu interlocutor (ameaçador, seus desconfiados olhos de filho natural e rancoroso, pobre espanhol sem pai), os gestos e
intenções que lhe atribui (pondo os punhais
sobre a mesa, seus soldados me seguraram pelos braços)
e as acusações que dele recebe (de ter assassinado um soldado pelas costas)
definem o inimigo. Responde-lhe, justificando os próprios atos e se declarando
um soldado enfermo. Mas, sobretudo, senhor absoluto da cidade.
Desenvolvendo-se em meandros
e sustentado por inesperados recursos narrativos, esses diálogos se aliam a uma
visão dialética da Conquista do Continente e a uma excepcional concepção da
divindade.
Publicado em 1973, trinta
anos depois de ter sido escrito, El
hombre que trasladaba las ciudades não apenas se antecipou a toda uma
época, como pela sua profundidade e beleza se constitui uma obra, certamente,
inigualável.

Nenhum comentário:
Postar um comentário