domingo, 6 de novembro de 1994

Do gosto e do poético

          Existe uma cozinha brasileira. Ou, talvez seja melhor dizer, existem cozinhas brasileiras e que se des­conhecem nessa imensidão do território nacional. E seja per­mitido dizer que, certamente, o que pouco existe é a arte de comer entre os brasileiros.

          No país em que plantando tudo dá - e é de­veras comovente como as sementes emergem da terra sem mesmo terem sido plantadas pela mão humana - muitos, e são muitos os que não comem porque o salário que recebem mal lhes per­mite sobreviver.Respiram o mesmo ar daqueles que detém a riqueza e em cuja mesa é servido o que há de melhor, de mais sofisticado, de mais caro. E de muitos que se inspirando em costumes alimentares alienígenas, muito pouco sabem da cozi­nha de seu país.

          Sugestivo, portanto é o livro que a José Olympio publicou neste ano de 1994: 50 sonetos de forno e fo­gão.

          Dois autores, Celso Jupiassu e Nei Leandro de Castro, senhores ambos de muitos livros, se uniram para, como eles dizem, juntar pela primeira vez, num livro de receitas, poesia e gastronomia, exercício poético e experiência culiná­ria.

          Escolhidas principalmente entre as típicas brasileiras, as receitas; os poemas, elaborados em versos brancos de dez sílabas as seguem conscienciosamente e não ha­verá erro algum na elaboração de um prato se for seguido cada um dos versos do soneto.

          Mais como receituário do que como volume de poesia é que o livro deve ser visto dizem os autores. Porém, será, sem dúvida, um prazer a mais usar uma receita escrita em versos que além do ritmo contém, por vezes, pequenas notas afetivas que afastam definitivamente o usual prosaico de qualquer receita.

          Assim, a homenagem aos criadores de pratos ou àqueles que os ensinaram a prepará-los; ou a que prestam aos pratos populares servidos em botecos. E, quando registram a origem de certas receitas - ou nordestina ou gaúcha, de Minas Gerais, Maranhão ou Espírito Santo - ou quando mencionam uma permanência africana ou portuguesa, valorizam uma contribui­ção que tem sido preterida pelos que ainda não se libertaram das influências estrangeiras.

          E, presente entre precisas e entusiásticas informações culinárias está o desejo de compartilhar o prazer da boa e inusitada mesa, os conselhos de alegre sabedoria: ao acertar plenamente o bambá de couve à Mariana, agradeça os aplausos com modéstia. E, se o colesterol estiver alto, convém fugir correndo do (feijão) tropeiro / embora valha a morte em gozo extremo.

          Impregnado de utilidade e beleza, 50 sonetos de forno e fogão é um livro que talvez leve a pensar porque nos cardápios brasileiros não são honrados, também, os pra­tos inventados pelo povo.

          Com isso, aqueles brasileiros que tem acesso aos bens da mesa usufruiriam, como os autores do livro dão fé, também, do melhor bife, da glória dos gaúchos, do prato que merece dez sonetos.

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