Existe uma cozinha
brasileira. Ou, talvez seja melhor dizer, existem cozinhas brasileiras e que se
desconhecem nessa imensidão do território nacional. E seja permitido dizer
que, certamente, o que pouco existe é a arte de comer entre os brasileiros.
No país em que plantando tudo dá - e é deveras
comovente como as sementes emergem da terra sem mesmo terem sido plantadas pela
mão humana - muitos, e são muitos os que não comem porque o salário que recebem
mal lhes permite sobreviver.Respiram o mesmo ar daqueles que detém a riqueza e
em cuja mesa é servido o que há de melhor, de mais sofisticado, de mais caro. E
de muitos que se inspirando em costumes alimentares alienígenas, muito pouco
sabem da cozinha de seu país.
Sugestivo, portanto é o
livro que a José Olympio publicou neste ano de 1994: 50 sonetos de forno e fogão.
Dois autores, Celso Jupiassu
e Nei Leandro de Castro, senhores ambos de muitos livros, se uniram para, como
eles dizem, juntar pela primeira vez, num livro de receitas, poesia e gastronomia, exercício poético e
experiência culinária.
Escolhidas principalmente
entre as típicas brasileiras, as receitas; os poemas, elaborados em versos
brancos de dez sílabas as seguem conscienciosamente e não haverá erro algum na
elaboração de um prato se for seguido cada um dos versos do soneto.
Mais como receituário do que como volume de poesia é que o livro deve ser visto dizem os autores. Porém, será,
sem dúvida, um prazer a mais usar uma receita escrita em versos que além do
ritmo contém, por vezes, pequenas notas afetivas que afastam definitivamente o
usual prosaico de qualquer receita.
Assim, a homenagem aos
criadores de pratos ou àqueles que os ensinaram a prepará-los; ou a que prestam
aos pratos populares servidos em botecos. E, quando registram a origem de
certas receitas - ou nordestina ou gaúcha, de Minas Gerais, Maranhão ou
Espírito Santo - ou quando mencionam uma permanência africana ou portuguesa,
valorizam uma contribuição que tem sido preterida pelos que ainda não se
libertaram das influências estrangeiras.
E, presente entre precisas e
entusiásticas informações culinárias está o desejo de compartilhar o prazer da
boa e inusitada mesa, os conselhos de alegre sabedoria: ao acertar plenamente o
bambá de couve à Mariana, agradeça os
aplausos com modéstia. E, se o
colesterol estiver alto, convém fugir
correndo do (feijão) tropeiro / embora valha a morte em gozo extremo.
Impregnado de utilidade e
beleza, 50 sonetos de forno e fogão
é um livro que talvez leve a pensar porque nos cardápios brasileiros não são
honrados, também, os pratos inventados pelo povo.
Com isso, aqueles brasileiros que tem acesso aos bens da mesa usufruiriam, como os autores do livro dão fé, também, do melhor bife, da glória dos gaúchos, do prato que merece dez sonetos.
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