Cheia de perguntas e de
razões que ultrapassaram as fronteiras do país onde apareceu, pela primeira vez,
numa história em quadrinhos do semanário Primera Plana de Buenos Aires,
há trinta anos atrás, nascia Mafalda.
Quando, no dia 25 de junho de
1973, Quino, seu criador a silenciou, tinha, em dez anos de existência, sido
publicada em vinte e seis idiomas. Vinte anos depois, Toda Mafalda, um
volume de 600 páginas, vendia 55.000 exemplares numa evidente prova que suas
perguntas e suas razões continuaram absolutamente pertinentes. Quer girem em
torno de seu pequeno cotidiano, quer se atenham às situações de seu país e das
relações que estabelece com o mundo no qual se inscreve.
Entre os seus seis ou oito
anos, Mafalda, como toda criança, pergunta. Só que suas perguntas provocam
insônia em seu pai ou o obrigam a tomar calmantes. E, sempre deixam sua mãe sem
resposta.
Assim, quando pergunta por que
todos aqueles que terminam o curso superior saem do país. Seu pai responde que
talvez não haja suficiente campo o que leva a nova pergunta: se há grande
quantidade de campo no país, por que as vacas também vão para o estrangeiro?
Ou, instada pela mãe a limpar o globo terrestre, quer saber se deve limpar
todos os países ou somente aqueles que têm um mau governo.
Suas razões não estão longe dessas dúvidas. Ao escutar a mãe dizer que o marido, com dor de dente, precisa ir ao dentista, Mafalda se admira de que existam dentistas no país, pois acreditava que todos tinham ido embora para os Estados Unidos.
Tampouco lhe escapa como os
Estados Unidos está presente no cotidiano da Argentina: o inglês ensinado pelo
rádio, os objetos dispensáveis que passam a fazer parte do dia a dia como lenço
de cabeça, balas e perfume “James Bond”, as brincadeiras de “cow boy”.
E, verdadeira síntese de toda
uma visão de mundo que é introduzida no Continente, a história em que vestido
de “cow boy”, no melhor estilo dos filmes que assistem, um de seus amiguinhos a
persegue e a atinge com um tiro. Mafalda se atirando no chão exclama: Puxa! O
amiguinho, indignado, observa que nenhum “cow boy” morreria usando tal
expressão. É a vez de Mafalda se indignar por esse modelo que acham que deve
seguir e que ela chama de morte
estrangeirada.
Igualmente significativa é a
sua observação ao escutar o informativo radiofônico em que predominam as
“últimas” das guerras e das dificuldades para chegar a um acordo sobre
desarmamento nuclear. Diante do entusiasmo de Felipe, seu amigo, tendo como
referência as fotos de Marte, de que haja vida nos outros planetas, Mafalda conclui
que o surpreendente é que haja vida no nosso planeta.
Como personagem de ficção ela
teve o direito de perceber esse mundo com a liberdade que aos humanos é muitas
vezes negada. E, nos anos infelizes que marcaram o Continente quando era
proibido perguntar ou enunciar opiniões, o seu dizer significou algo de
luminoso que os anos transcorridos não conseguiram ofuscar.

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