Em 1973, a Noguer de Barcelona publicou El hombre que trasladaba las ciudades, um romance onstruído a partir das crônicas da Conquista da mérica. Carlos Droguett, se sem afastar verdade histórica contida nesse relato oficial, o refaz dando-lhe vida , criando uma das mais perfeitas e belas bras da Literatura do Continente. Uma expressão rara, mo que feita somente de achados, um sapientíssimo uso de recursos romanescos, fazem dessa obra um impressionante itinerário onde predominam linhas nuosas e repetitivas cujo avançar e recuar permitem seja vislumbrado o universo desconhecido que os espanhóis cheios de sonhos e se perdendo no tempo quiseram conquistar.
Eles se perderam no tempo.Sob as
ordens de Juan Núñez de Prado, duzentos espanhóis se adentraram no Continente,
vindos do Peru para fundar uma cidade. Foi chamada Barco e para fugir dos
espanhóis chefiados por Francisco Villagra a carregaram três vezes no dorso dos
índios ou empilhadas nas carretas. Nem bem eram traçadas a rua e a praça principal e mal se erguiam s primeiras
casas tudo era desmanchado para começar mais adiante. [...] estamos em 1550, estamos sozinhos, sem carne e sem vinho, sem dinheiro, sem naipe, sem
esperanças, sem família [...] diz
um dos capitães . Mas, em nome de Deus ou do rei ou em nome de suas próprias
ambições, eles avançam nesse espaço desejado e num tempo de fluir lento que,
certamente, não podem mensurar senão a partir das relações que estabelecem
consigo próprios e com essa aventura em que jogam seus destinos. Então, além
desse 1500 indicando o ano em que se
inicia a luta pela cidade e que irá aparecer num delírio de Juan Núñez de
Prado, consta somente outra data, a de 1570. Antecedida, porém de um advérbio
de dúvida, talvez já seja o ano de1570
e de uma alegre previsão de futuro: talvez estejamos magros e grisalhos e sejamos
marqueses e duques e barões e tenhamos caixas de rapé sobre a mesa curva e pó
de rapé nas fraldiqueiros e rolem carruagens pelas pedras, carruagens cheias de
riso de mulheres e não de soldados, de leques,luvas e matilhas e não de
arcabuzes, machadinhas, adagas e cordas de enforcado.
Na verdade, um futuro vislumbrado já
a partir do momento em que pensam no traçado da rua principal e que poderá se
realizar num tempo impreciso, um ano, cinco anos, dezoito anos. E será a
imprecisão que irá prevalecer, quase sempre, no registro do tempo. Seja na
menção das estações do ano, seja nessas indicações de tempo precedidas de
expressões dando noção de possibilidades como devia ser, seriam ou da conjunção
alternativa ou. Assim, devia ser três ou quatro da tarde, seriam nove horas
da noite desse dia do mês de maio, cinco ou seis horas da manhã. Imprecisão
que se acentua quando a noção do tempo é mudada - faz
oito meses ou oito anos; dentro de
algumas semanas ou meses, dentro de umas poucas noites;- indicando desejo
de esquecer um momento penoso ou o medo de perigos previsíveis: achegada dos
soldados a mando de Valdivia, os representantes do Santo Ofício a cobrar-lhes
os atos. E que, muitas vezes,advém de uma indiferença ou desprezo pelo tempo
que transcorre, diante da tarefa que se atribuíram: Dois, três dias, quatro dias talvez. Quem poderia dizer? Não se
lembrava, nem isso interessava a nenhum de seus tenentes e capitães quanto tempo caminharam, quantas vezes no meio do sono e do cansaço e do
desalento correram para segurar umas cordas, recolher uns móveis. Alguma
cadeira, um par de borzeguins, uma porta violentamente nova e bela que se
desprendia e balançava na escuridão, rangiam os eixos, as rodas se afundavam
brandamente no barro, relinchavam os cavalos, mugiam os bois [...]
Daí, certamente, uma percepção do
tempo originada de um imediatismo discernível: uma bela tarde de verão: tardes ardentes; madrugada chuvosa;
inesperado dia de sol; dia nublado; noite lenta e alta; tempestuosa
noite de outono. Embora efêmero e à margem da exatidão cronológica é um
elemento que se integra à perfeição no
dinamismo das sequências narrativas.
Vago, ambíguo, à mercê das emoções
dos personagens, eles mesmos extraviados no espaço que buscavam e perdidos entre dias e noites que não podem
contar, o tempo, neste romance de Carlos Droguett é parte imprescindível de
uma estrutura narrativa que, negando-se
aos moldes usuais, é, regida por leis
que a fazem única no Continente. E inigualável.
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