Quando, em 1976, Montevideu
completou 250 anos, Milton Schinca, poeta e dramaturgo, dedicou-lhe, de maio a
setembro, um programa de rádio no qual procurava lembrar a vida cotidiana da
cidade a partir de episódios pitorescos e curiosos que refizessem a sua
história.

É esse material, fruto de
laboriosa pesquisa que irá formar o livro Boulevard
Sarandi que, no ano seguinte, a Banda Oriental de Montevidéu, publicou. Ordenado cronologicamente e
abrangendo o período entre os primeiros momentos da cidade e o início de 1900,
o texto com que o livro se inicia se refere a esses dias em que a cidade foi
fundada.
Mais precisamente, àqueles
seis casais que num ato de coragem ou de loucura atenderam ao chamado do governador
das províncias do Rio da Prata, Bruno Maurício de Zavala e, nos primeiros meses
de 1726, vieram da Argentina para se fixar nas planícies desertas.
Milton Schinca se detém na
idade desses trinta e quatro povoadores dos quais apenas cinco tinham passado
dos quarenta. A maior parte dos “fundadores” tinha muito pouca idade: a
menorzinha apenas um ano e os dois maiores, quinze anos.
Dados que não chamaram a
atenção dos historiadores mas que justificam plenamente o título que Milton
Schinca deu a esse texto: Os guris que
fundaram Montevidéu.
E será esse olhar pousado em
aspectos que os historiadores negligenciaram que fará de Boulevard Sarandi um livro cheio de divertidas surpresas e uma ou
outra nota melancólica.
Naufrágios, casamentos,
festas, brigas, enterros, o ensino, a justiça, os costumes, as modas. Sobretudo, um mundo
masculino em que à mulher cabe pouco mais do que a inércia. Ou passava os dias
sem fazer nada, sentada na sala de visitas, cantando, tocando algum
instrumento, tomando mate ou saía à noite, nos meses mais cálidos, para fazer
compras nas lojas do Centro.
Os estrangeiros que
arribaram a Montevidéu e dela deixaram no papel suas impressões, observaram a
beleza morena das mulheres e como elas se vestiam. Ficou, então, registrado que,
nem nos tempos pobres da colônia, nem nos seguintes, a moda em Montevidéu
deixou de exercer o seu tradicional domínio sobre o mundo feminino.
Um padre espanhol
descreve-lhe os trajes - negro para a missa e de outras cores para os passeios
- e os penteados e as fivelas e os sapatos em constantes variações. Um oficial
inglês fala do cuidado demonstrado com os pés, sempre calçados de seda ou
cetim. Um outro inglês, escondido sob um pseudônimo, menciona as saias com
babados, as mantilhas de seda preta, feita
para ocultar o rosto inteiro. E, houve quem registrasse o entusiasmo que,
na terceira década do oitocentos, demonstraram as senhoras e senhoritas por um
leque de fina seda que reproduzia um episódio patriótico: o juramento da
Constituição.
No entanto, no luxo e na
ostentação os cavalheiros de Montevidéu não ficaram atrás. Usavam fraques com abas e lapelas imensas, fivelas de ouro ou de prata, meias de seda
e camisas de gola tão alta e rígida que não os deixava mover a cabeça. Porém,
o que mais os preocupava era a capa. Usavam-na de várias cores e com o cuidado
de que fossem luxuosas. Sobretudo, com o cuidado de levá-la com graça e
elegância.
Observa, então, Milton
Schinca que enquanto essas eram as preocupações dos mais bem vestidos, nesses mesmos dias, outros uruguaios, certamente
ataviados com lamentável desalinho, se rompiam a alma para levar avante um
país que recém começava a caminhar, certamente aos trancos e barrancos.
O inegável gosto pelo supérfluo
que, desde os tempos coloniais, alimentou uma elite do Continente para quem o
importante e o imprescindível para a construção do país foi sempre um mero
detalhe.
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