segunda-feira, 1 de agosto de 1994

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            Quando, em 1976, Montevideu completou 250 anos, Milton Schinca, poeta e dramaturgo, dedicou-lhe, de maio a setembro, um programa de rádio no qual procurava lem­brar a vida cotidiana da cidade a partir de episódios pito­rescos e curiosos que refizessem a sua história.
            É esse material, fruto de laboriosa pesquisa que irá formar o livro Boulevard Sarandi que, no ano se­guinte, a Banda Oriental de Montevidéu, publicou.          Ordenado cronologicamente e abrangendo o pe­ríodo entre os primeiros momentos da cidade e o início de 1900, o texto com que o livro se inicia se refere a esses dias em que a cidade foi fundada.
           Mais precisamente, àqueles seis casais que num ato de coragem ou de loucura atenderam ao chamado do go­vernador das províncias do Rio da Prata, Bruno Maurício de Zavala e, nos primeiros meses de 1726, vieram da Argentina para se fixar nas planícies desertas.
           Milton Schinca se detém na idade desses trinta e quatro povoadores dos quais apenas cinco tinham pas­sado dos quarenta. A maior parte dos “fundadores” tinha muito pouca idade: a menorzinha apenas um ano e os dois maiores, quinze anos.

           Dados que não chamaram a atenção dos histori­adores mas que justificam plenamente o título que Milton Schinca deu a esse texto: Os guris que fundaram Montevidéu.

           E será esse olhar pousado em aspectos que os historiadores negligenciaram que fará de Boulevard Sarandi um livro cheio de divertidas surpresas e uma ou outra nota me­lancólica.
 
           Naufrágios, casamentos, festas, brigas, en­terros, o ensino, a justiça, os costumes, as modas.      Sobretudo, um mundo masculino em que à mulher cabe pouco mais do que a inércia. Ou passava os dias sem fa­zer nada, sentada na sala de visitas, cantando, tocando algum instrumento, tomando mate ou saía à noite, nos meses mais cá­lidos, para fazer compras nas lojas do Centro.

           Os estrangeiros que arribaram a Montevidéu e dela deixaram no papel suas impressões, observaram a beleza morena das mulheres e como elas se vestiam. Ficou, então, regis­trado que, nem nos tempos pobres da colônia, nem nos seguin­tes, a moda em Montevidéu deixou de exercer o seu tradicional domínio sobre o mundo feminino.

           Um padre espanhol descreve-lhe os trajes - negro para a missa e de outras cores para os passeios - e os penteados e as fivelas e os sapatos em constantes variações. Um oficial inglês fala do cuidado demonstrado com os pés, sempre calçados de seda ou cetim. Um outro inglês, escondido sob um pseudônimo, menciona as saias com babados, as manti­lhas de seda preta, feita para ocultar o rosto inteiro. E, houve quem registrasse o entusiasmo que, na terceira década do oitocentos, demonstraram as senhoras e senhoritas por um leque de fina seda que reproduzia um episódio patriótico: o juramento da Constituição.

           No entanto, no luxo e na ostentação os cava­lheiros de Montevidéu não ficaram atrás. Usavam fraques com abas e lapelas imensas, fivelas de ouro ou de prata, meias de seda e camisas de gola tão alta e rígida que não os dei­xava mover a cabeça. Porém, o que mais os preocupava era a capa. Usavam-na de várias cores e com o cuidado de que fossem luxuosas. Sobretudo, com o cuidado de levá-la com graça e elegância.

           Observa, então, Milton Schinca que enquanto essas eram as preocupações dos mais bem vestidos, nesses mesmos dias, outros uruguaios, certamente ataviados com la­mentável desalinho, se rompiam a alma para levar avante um país que recém começava a caminhar, certamente aos trancos e barrancos.

           O inegável gosto pelo supérfluo que, desde os tempos coloniais, alimentou uma elite do Continente para quem o importante e o imprescindível para a construção do país foi sempre um mero detalhe.

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