Nas literaturas da América o gênero gauchesco se constitui um fenômeno
singular
dizem Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares no prólogo à Poesia Gauchesca, publicada pela Fondo de Cultura Economica do
México, acrescentando que os que a quiseram explicar se limitaram a relacioná-la
com o seu protagonista, o gaúcho.
Na verdade, é ao redor do
gaúcho que se situa a sua gênese: manifestação oral ligada à música e à dança,
tendo como motivos as vivências do homem do pampa.
Foi Bartolomé Hidalgo, poeta
uruguaio que viveu entre 1788 e 1822, quem lhe deu a forma impressa. Inspirando-se
nas estrofes populares que os sitiadores da cidade de Montevidéu gritavam,
juntamente com os impropérios, aos espanhóis que eles queriam expulsar de suas
terras, os poemas de Bartolomé Hidalgo traduzem um entusiasmo patriótico e uma
ojeriza contra os colonizadores, certamente decisivos para torná-lo conhecido
na época; e para lhe assegurar o lugar de precursor no gênero que atravessaria
os anos e as escolas literárias sem ser vencido pela exaustão nem pela
crítica.
Num momento historicamente e
socialmente conturbado do Uruguai, seus poemas assumem a voz dos que buscam a
emancipação do país, isto é, assumem uma voz coletiva nos “cielitos”,
composição poética e musical muito difundida nos países do Prata no começo do
século passado.
São versos que se constituem
um modelo do que o crítico Angel Rama irá definir como manifestação espontânea do uso da poesia como sistema de provocação e
comunicação política. Logo,
porém, irão expressar a desilusão diante do resultado das lutas que serviram
apenas para garantir, uma vez mais, os privilégios de alguns.
Então, escreve, em 1821 e
1822, três longos poemas, os “diálogos patrióticos”.
O primeiro deles tem por
título “Diálogo patriótico interessante”. Dois são os interlocutores, os gaúchos
Jacinto Chano e Ramón Contreras.
O poema se inicia com o
ritual do encontro e da hospitalidade para, então, surgir o tema do diálogo: a
situação do país, um país degradado por rivalidades vãs e neutralizadoras de
um esforço que deveria conduzir ao progresso que fora impedido pelo domínio da
Espanha. Um país recém criado mas onde as leis nascentes já eram infringidas.
Admira-se Contreras: Pois sempre ouvi dizer / que diante da lei
eu era / igual a todos os homens. Palavras que terão, como resposta de
Chano a explicação desse tão conhecido costume do Continente: o pobre que rouba
algumas esporas, um cavalo velho, algum dinheiro, é preso para cumprir a lei.
Disso eu me alegro diz Chano. Quem tal fez, tal
pague, / mas vamos a um figurão / pois por casualidade / já se vê, se
remediou... / um descuido que acontece a qualquer um. / No começo, muito
barulho, / muito embargo, processo, prisão, / segredos, admiração. / Que
declara? Que é mentira / que ele é um homem de bem / E o dinheiro? Não se sabe,
/ O Estado o perdeu. / O preso sai para a rua / e o caso se acabou. / E isto se
chama igualdade?
Constatações que mostram
como os velhos combatentes gaúchos foram transformados em meros observadores
de acontecimentos que negam os ideais pelos quais haviam lutado.
Mas que se permitindo
confidências, argumentações, lamentos fazem desses “diálogos” verdadeiras cartilhas
norteadoras de comportamento cívico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário