Luiza Mora deu o recado.A morte anda nos teus calcanhares. Tua avó
Clara te protege lá do além mas mandou te dizer que os espíritos protetores são
ineficazes nos cataclismos maiores. Seria bom se fizesses uma viagem, que
fosses para o outro lado do mar onde estarás a salvo.
Talvez Alba não tenha levado
a sério a advertência ou talvez não tenha tido tempo ou forças para se salvar.
Ficou e seguiu o seu caminho no tortuoso labirinto que se tornou a vida da
cidade, a partir desse 11 de setembro de 1973, que, no romance La casa de los espíritos, é referido
com um dia de sol radiante, pouco usual
na tímida primavera que despontava.
As flores, os frutos e a
luminosa figura de Clara, levada pela morte, não eram mais habitantes da casa e
para trás ficavam sua vida de antes e a invisível vida dos espíritos que
rondavam sua avó.
Alba se viu sozinha para
ajudar as pessoas a saírem com vida desses dias de terror então instaurados no
país e pagou muito caro por isso. Foi arrancada de sua casa e levada para as
prisões do regime e para as câmaras de tortura.
O último capítulo de La casa de los espíritos não elude as
humilhações de que foi vítima, nem o sofrimento a que seu corpo foi submetido.
No capítulo anterior com o
título de “O terror”, como um testemunho já havia sido registrado o que acontecera
naquela terça-feira ensolarada, quando o palácio foi atacado num bombardeio que
pôs fim ao primeiro governo socialista da América e deu início a um período de
repressão que parecia em acordo com a maioria da população.
De onde tinham saído tantos
fascistas do dia para a noite se perguntava Alba porque na longa trajetória democrática de seu país nunca tinham sido
notados, exceto alguns exaltados durante a guerra que por macaquice vestiam camisas
negras e desfilavam com o braço erguido em meio às gargalhadas e assovios dos
transeuntes.
Como se o país fosse formado
apenas pelos que podiam comprar os produtos importados, pelos que receberam de
volta a terra que a reforma agrária havia dividido, pelos que aceitavam como
normal que as concessões das minas fossem entregues à companhias
norte-americanas.
Aqueles que podiam ignorar
os outros que ficaram sem trabalho, sem comida e sem leis para protegê-los.
O romance de Isabel Allende
é, também, um registro dessa dicotomia que, ou social ou ideologicamente, rege
a história do Continente.
Há nele como uma síntese dessa trajetória, alimentada por um sobrenatural, que lhe dá consolo e esperança e por símbolos e ritos que a tornam fadada a jamais se transformar.
Até porque, há séculos que o Poder se exerce baseado na velha premissa que um dos personagens do romance, convictamente, repete: Pão, circo e alguma coisa para venerar é tudo quanto o povo necessita.

Nenhum comentário:
Postar um comentário