domingo, 1 de maio de 1994

O universo de cada um

          No texto “Algunas ideas sobre la narración como arte y sobre lo que ella puede tener como documento his­tórico” publicado, em La soledad y la creación literária, Juan Morosoli observa que muitos dos que temem os colonialis­mos políticos ou econômicos não se dão conta ao exaltar as literaturas forâneas, ignorando ou desprezando aquela que é produzida em seu próprio país - que estão pondo em prática o pior deles, o colonialismo cultural.
 
          Refere-se, principalmente, aos críticos cujos parâmetros são pautados por obras estrangeiras em que não ca­bem - e o exemplo é o de seu país, o Uruguai - a produção li­terária presa aos limites do realismo e da história.
 
          Exatamente, encerrando-se nesses limites é que Juan Morosoli busca a sua expressão. Deseja contar, de maneira simples, um fato verdadeiro, deseja evocar um homem conhecido e, profundamente, deseja olhar a realidade a seu redor. Ou seja, submeter-se à narração que mostra, descreve, apreende o acontecer e o tempo de algumas criaturas, as detém na vida, salvando-as da morte.
 
          E, assim, foi com Rodriguez do conto “Los amigos”. Desde pequeno, ele desejou guiar um carro de bons cavalos. Mas não pôde ser responsável pelo carro do armazém porque não sabia ler nem escrever e misturava os pacotes. Foi, então, para o povoado onde trabalhou como lixeiro, car­regador. Acabou empurrando um carrinho onde transportava la­vagem e, com essa carga, atravessava o povoado.   Até que um dia o patrão lhe deu de presente um carro velho. Raspou, lavou e, sem as velhas crostas, apa­receram as boas madeiras de que era feito. Deu-lhes uma nova pintura.  De pura pena, alguém lhe ofereceu um cavalo velho. Cuidou dele e, na primavera, já lhe nascia pelagem. Pôs no carro uma bandeira que não era de nenhum país e que cheia de cores o enfeitava. Começou a fazer mudanças, trans­portar coisas, levar malas para a estação.
 
          Um dia, voltou para o pago e ali, perto de um arroio, acampou. À noite, acendia o fogo, caminhava longe para admirar o carro que luzia mais bonito que de dia. E, pensava:  Isto parece um quadro. Parece mentira que eu te­nha tudo isto. Que seja dono de tanta coisa .
 
          Essa emoção, tão ingenuamente humilde, foi fixada por um autor que, sem dúvida, é um homem do Conti­nente.  Um homem cheio de razões ao considerar que não há temas fatalmente ficcionais como tampouco há aqueles fatalmente inúteis para o romancista.
 
          Assim, a pequena e tímida vida de Rodriguez pode interessar ou não; pode emocionar, ou não. Mas é feita de sentimentos, como inúmeras outras, e parte dessa classe de deserdados que a vida não consegue vencer, que a morte lança no esquecimento e cuja existência Juan Morosoli procura pro­longar.
 
          Porque sabe que narrar grandes feitos é mais fácil do que entrar nessas vidas para vê-las na sua grandeza elementar isto é na sua grandeza original onde não entra nada que já não esteja dentro do homem.

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