É a história de um
funcionário público que, dentro de vinte e quatro horas, deve saldar sua dívida
com o leiteiro sob pena de se ver privado da entrega cotidiana.
Tu não vês que uma criança não pode passar sem leite... se queixa a mulher ao
escutá-lo argumentar que se pode sobreviver sem isso.
O dia para ele se passa,
então, na busca da quantia necessária e só termina, já de madrugada, ao escutar
o leiteiro verter o leite no recipiente e sair de sua casa com a quantia a que
tinha direito.
São dessas horas de andanças
que Dyonélio Machado faz o seu romance, Os
ratos, cuja primeira edição, da Companhia Editora Nacional de São Paulo, é
de 1935.
Uma narrativa encerrada em
dois momentos precisos - aquele em que o personagem é posto diante do obstáculo
que deve remover e o momento em que esse obstáculo é desfeito - contidos nas
vinte e quatro horas de um dia da vida de Naziazeno Barbosa
Relato submisso a uma ordem
cronológica - as coisas acontecem à medida que o dia avança - onde, por vezes,
emergem seqüências que interrompem sua linearidade. É quando no presente, que é
o tempo do relato, se insere uma ou outra lembrança da infância ou imagens de
um futuro próximo, ilusões em que a angústia do personagem se refugia.
Mas, embora a narrativa
obedeça, por vezes, aos sentimentos do personagem, deixando que nela se entrelacem
imagens do passado e desejos do futuro, o registro do presente se enovela ao
correr das horas e às nuanças das luzes do dia quando ele começa a declinar.
Primeiramente, as atividades
do cotidiano e o ritmo da cidade indicam o passar do tempo. Depois, o caminhar
do sol - virando para a tarde, já
perdera sua cor doirada e matinal - e os vários tons e cores do
entardecer que se mostram alaranjados e
distantes sobre os últimos andares dos prédios; logo, amarela e estranha, a luz quando a noite começa a se impor. Então,
o domínio é o da luz das vitrinas projetadas nas calçadas que os passeantes pisam com pés iluminados.
Na noite que avança, o tempo
passa a ser marcado por ruídos - o canto dos galos, o latir prolongado de um
cão, os quartos de hora do relógio, o leve chiado e o leve barulho do roer dos
ratos - quando, já em casa, Naziazeno Barbosa não consegue dormir. É, apenas
com a chegada do leiteiro, batendo a porta da cozinha, e com o barulho do
verter do leite e os passos se afastando que lhe é indicada, finalmente, a
hora em que seu dia chegou ao fim e que pode dormir.
Em artigo do dia 03 de
setembro de 1983, publicado pelo “Letras e Livros” do Correio do Povo de Porto Alegre, Guilhermino Cesar dizia que
Dyonélio Machado se integra com pleno
direito na fileira seleta dos analistas implacáveis.
Os personagens de Os ratos e as situações em que se
envolvem são expressões perfeitas da mais acurada observação sobre a psiquê
dos homens que o autor gaúcho estrutura em níveis temporais e espaciais na
sábia e exata medida que torna o seu romance não somente de impecável leitura
mas também de sóbria e tranqüila beleza.

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