quarta-feira, 18 de maio de 1994

Mario Quintana


Ó céus de Porto Alegre - como fa­rei para levar-vos para o céu?   XlIV Do Caderno H
 
          A Academia Brasileira de Letras por três ve­zes o preteriu, negando-lhe a satisfação desse irrelevante capricho: querer ser imortal em plagas brasileiras.
 
          Agora, ele já não deve mais se importar com essas miudezas que, certamente, não iriam contribuir para torná-lo mais amado do que foi entre aqueles que o amavam.
 
          Tampouco, talvez, com essas homenagens que recebeu livre de conchavos - o título de cidadão Honorário de Porto Alegre, a placa com seus versos na praça da cidade na­tal, a medalha “O negrinho do Pastoreio” do Governo do Rio Grande do Sul, o prêmio “Machado de Assis” da Academia Brasi­leira de Letra, e o do Pen Club - por uma obra que se iniciou com a publicação, em 1940, de A rua dos cataventos e que foi se completando ao longo desse viver tão simples como tão pro­fundamente simples foram os seus versos.
 
          Donaldo Schüler em A poesia no Rio Grande do Sul nota que este primeiro livro de Mário Quintana termina com versos que dizem da admiração da Morte ao fitar no seu manto negro os fios de vida que o poeta urdiu cantando. E ob­serva, ainda, o professor gaúcho que tanta familiaridade com a morte não leva a uma expressão em tons lamuriosos e que o poeta faz da morte um contendor com o qual ele brinca a sério.
 
          Parece ser, realmente o que faz Mário Quin­tana nestes poemas e nestas reflexões que constituem o Ca­derno H, cuja publicação iniciou em 1943 na revista Província de São Pedro, e que, dez anos depois, continuou no Correio do Povo de Porto Alegre.
 
          Notações de leitura, maliciosas observações sobre a mediocridade imperante, meditações sobre o destino dos homens e sobre esses seus dias povoados de pequeníssimas grandes coisas - um grilo cantando num terreno baldio, a pe­quena rã que um dia cruzou o seu caminho, um cachorro sem dono que lhe acompanha os passos na madrugada, algo da paisa­gem entrevisto pela janela.
 
          E, como nota que se repete em diferentes nu­anças, a Morte e seus mistérios.
 
          Então, ele se diverte um pouco imaginando esse morto que volta sempre para a primeira reunião fami­liar. E sorri entre aliviado e agradecido quando descobre que estão falando noutras coisas; ou, constatando que são mui­tos os que morrem antes, outros depois; o mais difícil é acertar a hora; ou, opinando que cada um deveria ter um céu que ele próprio escolhesse... Mais ou menos de seu agrado.
 
          Que os deuses lhe concedam aquele céu que de­sejou.

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