domingo, 22 de maio de 1994

O recurso da comicidade

          Extremamente risível, mas igualmente levado a sério, a figura desse ditador que, ao longo dos anos, deter­minou o destino de tantos países do Continente e inspirou não poucas obras literárias.
          Maten al león é uma delas. Publicado pela primeira vez em 1969, suas várias edições parecem demonstrar tratar-se de um tema inesgotável e que Jorge Ibargüengoitia não se enganou ao optar por reescrever, satiricamente, a His­tória da América.
          Maten al león é um romance construído a par­tir de tragicômicos momentos da História de Arepa, espaço fictício e certamente mimético de todo o Continente.
          República Constitucional, a ilha é governada por um Presidente que já no quarto e último mandato, aspira reeleger-se Presidente vitalício. Cansada de seus desmandos, a pequena elite do país quer apresentar o seu candidato pelo Partido Moderado às eleições que devem, finalmente, ocorrer.
          Chama-se Pepe Cussirat, tem trinta e cinco anos, monta a cavalo, tem um avião, joga golf, mata veados e fala três idiomas e há quinze anos está ausente de seu país, civilizando-se em outras terras.
          Na carta que lhe foi enviada pelos Moderados constou que a decisão de convidá-lo para concorrer à presi­dência, foi baseada ao considerarem as suas altas virtudes cívicas, a austeridade de sua posição política refletida no seu exílio voluntário que se impôs e de seus méritos pesso­ais.
          No entanto, o que foi realmente decisivo nessa opção, expressou-o um dos membros do Partido: Se ele chega em avião, ganhamos as eleições. Porque em Arepa, nin­guém havia visto jamais um avião.
          Uma argumentação tão díspar e mascarando os verdadeiros motivos, se insere na comicidade que aliada à construção dos personagens, à breves descrições de espaço, à fixação de rápidas cenas e ao ritmo de ações enredadas em surpreendentes quiproquós, determinam o tom do romance.
          Assim, o chefe de polícia, Coronel Jimenez tem aspecto de índio,  usa um uniforme prussiano cujo capote o faz enormemente transpirar ao assistir a execução dos que, sem julgamento, o Presidente mandou matar; ou as vãs atitudes de Cussirat, “chefe” da conspiração, que chega de volta a seu país natal a fim de cumprir uma missão política para a qual ficara decidido que seria digno. Faz tolice sobre tolice, é ajudado pelo homem que rotulou de imbecil, salvo por inter­venção de terceiros, parte, em camarote de primeira classe, deixando tudo como está.
          Assim, as referências ao escritório do Presi­dente iluminado por um lustre de contas sob o qual sobressaem o seu próprio retrato segurando a bandeira nacional e o busto em mármore italiano que o imortaliza hercúleo e rejuvenes­cido.Detalhes que estão, verdadeiramente, em acorde com as leis iníquas e sentenças de morte que ali subs­creve e com outras menores. Estas, em harmonia com a ingenui­dade do povo por ele governado perfeitamente esboçada nesta improvisada festa que foi a chegada de Cussirat: Por ordem presidencial e com o objetivo de permitir a aterrissagem fe­liz do Bleriot de Cussirat o Exército tirou as vacas do pasto, cortou um pé de mandioca que havia crescido no meio da várzea e se posicionou em círculos ao redor do campo para evitar que a gurizada se pusesse a brincar e fosse atropelada pelo avião.
          Mas, é sobretudo, nas seqüências em que o plano de matar o Presidente se desenvolve, quando mudanças de atitudes e situações imprevistas se sucedem e se mantém o acelerado ritmo narrativo é que a intenção de provocar o riso se intensifica.
          No capítulo XX, “Dancem todos”, circunstân­cias e caprichos pessoais levam o plano ao fracasso. Morre quem deveria executá-lo e sai ileso da festa - e ainda agra­decendo os bons momentos - aquele que deveria ter morrido. Os tipos criados, sua ágil movimentação, a presença fugaz e ingênua da plebe, o perfeito retrato da elite, um relato dinâmico e engenhoso jamais se afastam do propósito de Maten al león; um romance destinado a fazer rir.
          Certamente, se os habitantes do Continente não cederem à tentação de ler o que é dito nas entrelinhas.

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