domingo, 8 de maio de 1994

Esperanças vãs

          Jorge Ibargüengoitia nasceu em Guanajuato, México, em 1928. Autor de ensaios, crônicas, críticas, dramas e romances iniciou sua carreira literária em 1967 com um li­vro de contos La ley de Herodes y otros cuentos. A ele se se­guiram vários romances dois dos quais receberam o Prêmio Casa de las Américas, El atentado (1963) e Los relámpagos de agosto (1964).


          Maten al león é de 1969 quando, embora cons­tante, talvez repetitivo na Literatura Latino-americana, o tema não deixou de ser oportuno ao girar em torno da figura de um ditador.
          Consta que Jorge Ibargüengoitia reescreve a história hispano-americana satirizando-a. E uma bela sátira é este seu romance todo feito das peripécias de Cussirat, que, desastradamente, tenta matar o Presidente de Arepa.
          A pequena ilha de Arepa se situa no Caribe, é habitada por brancos, índios e pretos e exporta frutos da terra. Colonizada por espanhóis, tornou-se independente em 1898, passando a ser, em 1926, uma República Constitucional.
          Com esses dados que antecedem o primeiro ca­pítulo, se inicia Maten al león, consigna que irá guiar suas páginas.
          Fictícia, a ilha de Arepa se assemelha ou é idêntica a muitos espaços do Continente. De seus duzentos e cinqüenta mil habitantes, a maioria não possui condições para formular julgamentos a respeito de seu dirigente e a reduzida elite a ele está, evidentemente, presa, pelos privilégios que, ao apoiá-lo, continua a usufruir.
          O Presidente grosseiro, truculento, insen­sível  e que ignora qualquer lei, não tem medidas para limi­tar seus quereres que em Arepa são plenamente obedecidos.
          Apenas um pequeníssimo grupo deseja a ele se opor, uma vontade que se aglutina em torno de um arepano que havia partido e que regressara para disputar as eleições pre­sidenciais.
          O Presidente que está terminando seu mandato, o último previsto por lei e que deseja se perpetuar no Poder - para facilitar as coisas já mandara matar o candidato que se apresentara para a sua sucessão - precisando neutralizar mais este que acaba de chegar, lhe oferece um ministério.
          Antes, porém de dar-lhe uma resposta, Cussi­rat, ao presenciar a cerimônia que todos os anos se realizava para festejar a independência de Arepa, já se dera conta que jamais o venceria numa eleição. Não apenas o Presidente con­tinua sendo a figura principal dos festejos como assim é con­siderado pelos que dançam durante horas, sob o sol, diante do Corpo Diplomático até a sua chegada em meio a vivas e ao es­trondo das bandas marciais: Contra esse homem não se pode lutar nas eleições. É preciso matá-lo, decide. Após uns ins­tantes de surpresa lhe pergunta o interlocutor: Sim, claro! Mas como?
          Resposta, sem dúvida, difícil de responder. Cussirat, primeiramente, quer agir sozinho. Põe uma bomba no banheiro presidencial, entra armado em palácio para matá-lo à queima roupa.
          Tentativas que falham e o levam a aceitar o auxílio dos demais conspiradores. Ainda, assim, os planos fracassam mas não aquele que - ninguém resiste ao dinheiro - o coloca a salvo num barco pronto para deixar a ilha.
          Já, então, Cussirat se arrependera do caminho empreendido quando diz ao homem que o escondera depois da sua última e falhada tentativa: Sou um fracassado. Tentei matá-lo três vezes. A primeira custou a vida dos opositores; a se­gunda, de minha noiva; a terceira, do meu empregado que foi um dos homens mais extraordinários que já conheci e meu grande amigo de infância. Eu, que sou o responsável, me salvo, venho me meter neste rancho, vejo pobres pela primeira vez, durmo mal e descubro que, apesar de tudo, os pobres vão continuar sendo pobres e os ricos, ricos. Se eu tivesse sido Presidente, teria feito muitas coisas mas não teria me ocor­rido lhes dar dinheiro. Assim, que importância tem que o Pre­sidente seja um assassino ou não seja?A resposta que escuta - A mim isso nunca ti­nha me importado - é uma resposta que se refere aos vários anos de crimes e injustiças praticados por um Ditador masca­rado de Presidente.
          Uma resposta que, magnificamente, sintetiza a relação que se estabelece entre o governante e os governados que não sabem que podem ser cidadãos, aceitando com tranqui­lidade, um círculo vicioso que os mantém, sempre, na condição de vítimas.
          No relato, o conflito se dissolve com a morte do Presidente. No entanto, torna a se instaurar no mesmo ce­nário onde se movem os mesmos personagens com a assunção do Vice-Presidente.
          Uma explícita desesperança no futuro do Con­tinente não fosse a persistência de Ângela uma conspiradora que não esmorece diante da derrota de Cussirat, a quem inci­tara à ação, mas que persiste nas suas patrióticas maquina­ções.
          Sobretudo, se não fosse o suceder de ações hilariantes que no melhor estilo de um filme de Cantinflas - mudar pelo riso - fazem do Presidente e de seu opositor per­sonagens de comédia.
          Este riso, porém que as páginas do romance provocam não são suficientes para diluir uma realidade tão própria do Continente: o claro e funesto uso da perpetuação e da imutabilidade do Poder.

 

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