domingo, 5 de junho de 1994

Cidade iluminada

          No romance de Dyonélio Machado, Os ratos, Na­ziazeno Barbosa, funcionário público, incapaz de administrar as próprias despesas, vê-se encurralado pela ameaça do lei­teiro em não mais fazer a entrega diária se não for pago o que lhe é devido.
 
          Em busca desse dinheiro, Naziazeno Barbosa deambula o dia inteiro. Procura pessoas, espera por elas, tenta o jogo numa roleta clandestina e, sempre em busca de um empréstimo salvador, torna às andanças pela cidade.
 
          Uma cidade que não é nominada, mas reconhecí­vel. Pela menção de um ou outro logradouro, por vagas refe­rências ao relógio da Prefeitura e ao Mercado. Talvez por essa luz que a banha ao entardecer e que torna Porto Alegre inesquecível.
 
          Quase nada de suas ruas ou de suas casas é descrito. Ela ora se agita, ora se acalma no passar dos bon­des e dos carros, nos silêncios das horas de calor. Mas, é sempre regida por uma luz inesperada e fabulosa, imersa numa claridade cheia de vermelhos, alaranjados, amarelos.
 
          Na estrutura do romance esses tons se inserem como breves lampejos nas seqüências narrativas sem impedir que o espaço urbano que iluminam deixe de ser exatamente mi­mético e sem impedir que o ritmo do relato perca a sua viva­cidade.
 
          Indiferentemente, contrastando com os medío­cres obstáculos que devem ser vencidos no longo dia de Nazia­zeno Barbosa, as luzes conferem ao cenário em que ele se move, angustiado, um encanto que minimiza esse pequeno drama de batalhas perdidas.
 
          Ou fazem com que se adensem na cidade ilumi­nada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário