domingo, 26 de junho de 1994

Quatro estações

          Em 1974, foi publicado, pela Losada de Buenos Aires, Jardin de invierno, uma das oito obras inéditas de Pa­blo Neruda dadas à luz após sua morte.
        É um pequeno livro de vinte poemas feitos, principalmente, de uma irremediável e desesperançada tris-teza.
        A tristeza do inverno, o inverno verde e ne­gro, o inverno que chega e faz do poeta esse círculo que espera. Desalentadora espera de quem se sabe prisioneiro da imutável trajetória do ser humano, conduzindo à morte e, so­bretudo, dessa nova verdade induzida pela aproximação do fim:não há mais nada para decifrar, / nem nada mais que falar: isso era tudo: / fecharam-se as portas da floresta, / circula o sol abrindo as folhagens, / sobe a lua como fruta branca / e o homem se acomoda a seu destino.
          E o tempo, cada estação adquire as cores que o olhar do poeta lhes concede. No poema “Outono”, é a visão da cidade às vésperas de uma convulsão onde se instala o ou­tono vestido de soldado. Em “Jardin de invierno”, o outono se mostra dadivoso e chega para estabelecer a escrita do vi­nho e, como o estio é, igualmente, passageiro.
          Na segunda vez que aparece referência à esta­ção do calor é como um motivo para amargas reflexões. Não vou ao mar neste amplo verão coberto de calor, quase prosai­camente, o poeta informa. Mas, o tom se adensa principalmente na última estrofe quando ele torna a dizer: Não saio ao mar este verão, para explicar então: estou encerrado, enterrado e ao longo / do túnel que me leva prisioneiro / ouço remota­mente um trovão verde, / um cataclisma de garrafas quebradas, / um sussurro de sal e de agonia.
          A oposição que se estabelece entre seu des­tino de preso e de condenado e o poderio do mar vai se repe­tir no poema “Con Quevedo, na primavera”. Na primeira es­trofe, irrompem as cores - e o azul e o amarelo e o verde e a sugestão do vermelho no nome de uma flor - como uma pequena aquarela que se enche de vida com o ar novo, com o tácito fulgor, ofertas de uma longa primavera.
          Mas, logo na segunda estrofe, o ar e a cor imaginados cedem lugar a um vazio - só não há primavera em meu recinto - e ao que pode ser os votos de uma fada má: Doenças, beijos desquiciados, / como heras de igreja se co­laram / nas janelas negras de minha vida / e só amor não chega, nem o selvagem / e extenso aroma da primavera.
          Como se nesses dias que se sabe são os dias em que se aproxima do fim, já nada pudesse lhe agradar - o sorriso, a medalha laudatória, dinheiro, livros, beijos, ca­minhos pela frente - já nada lhe fosse dado usufruir: o ho­mem eu, o mortal, se cansou.
          Mas, em acorde com o título do livro conce­bido em claro-escuro - jardin, sugerindo cor e vida, e invi­erno, um interregno de aspereza e nudez -, muitos dos poemas nele contidos se iluminam de palavras que remetem a uma natu­reza cheia de vida.
          Mau grado a desolação do poeta, esse seu de­sejo de fugir de si mesmo e do significado da existência como diz nos versos de “Animal de luz”, ele não se nega ao espetá­culo da vida.
          E, assim como fala dessa rosa que irá cair, fala, também, do caroço de pêssego que voltará a germinar. Das primaveras que se extinguem para tornar a despertar.
          Se cada estação do ano lhe sugere tristezas neste seu lento preparar-se para o fim, é, porém, no contínuo ciclo vital de morte e vida renovada que Pablo Neruda encon­tra, ainda, algo em que acreditar:

Esta é a hora
das folhas caídas, trituradas
sobre a terra, quando
de ser e de não ser voltam ao fundo
despojando-se de ouro e de verdor
até que são raízes outra vez
e outra vez, desfazendo-se e nascendo,
sobem para conhecer a primavera.

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