domingo, 19 de junho de 1994

Matilde


          Quando morreu em 24 de setembro de 1973, Pa­blo Neruda deixou oito livros inéditos. Segundo a Editora Lo­sada eram poemas escritos simultaneamente mas que deveriam ter uma ordem determinada de aparição, estabelecida pelo pró­prio poeta: La rosa separada, Jardin de invierno, 2000, El corazón amarillo, Libro de las preguntas, Elegia, El mar y las campanas, Defectos escogidos.
          Os últimos poemas que escreveu estão contidos em El mar y las campanas cuja primeira edição é de 28 de no­vembro de 1973 isto é, dois meses depois de sua morte. São em número de quarenta e nove e muitos deles ficaram sem nome. Mas, no livro, para facilitar a sua identificação, recebem o primeiro verso ou parte dele, como título, colocado entre colchetes.
          O mar, e os desacertos do século, uma falta de esperança, velhas preocupações renovadas são antigos moti­vos desses poemas. Alguns, germinam de um ou outro momento fugidio: a lembrança de um rio na sua nascente, a visita de desconhecidos na sua casa em Isla Negra, esse ramo de acácia-mimosa que dourado, lhe ilumina a viagem por estradas de né­voa e de terras desertas no crepúsculo desabitado.
          Outros, nascem de imagens do passado. A rua em que viveu quando jovem e que talvez não mais exista ou essa outra em que preso aos versos sonhava com jardins pari­sinos de parques frios e estátuas impecáveis. 
          Muitos, se enraízam na amargura que só o ter vivido permite conhecer: a solidão entre os outros, feita de silêncios, a constatação de que algo se perdeu para sempre, a inexorabilidade da morte - Porque é obrigatório obedecer ao inverno [...] - na qual estão contidas a solidão e o emudecer.
          Poemas de amor, três. E os três para Matilde.
          O primeiro, relembra um momento áspero de sua vida: Quando eu decidi me tornar claro / e procurar a mão da desdita que é o mesmo em que encontra a mulher, que a partir de então, o irá acompanhar.
 
          Na segunda estrofe a nomina e também a Chi­llán, o lugar onde se encontraram. Então, enumera o bem que dela recebe, todos os dias e todas as noites, sempre: o amor na pele que se entrega, ao abrir de todas as janelas do mar, para que voe a palavra escrita. 
          Cotidiano que se reafirma no título do se­gundo poema “Cada dia Matilde”. Nele, as expressões amorosas lembram àquelas de Los versos del capitán. Mas, se algo da natureza entrelaçado à figura feminina permanece nesses ver­sos, outros elementos indicadores da passagem do tempo se acrescentam: em cada ramo guardas testemunho / de nossas in­deléveis primaveras. Reafirma-se a plenitude de uma presença que delicada como uma flor de anís continua sendo para o poeta uma fonte de vida.
          Mas é no terceiro poema que se inscreve a ho­menagem maior à Matilde. Tem por título a palavra “Final”. E Pablo Neruda, assim o afirma a Editorial Losada, o concluiu pouco antes de morrer. Matilde”é a palavra que o inicia. Um vocativo antecedendo esses versos que sintetizam o calvário do enfermo entre a febre e a dor. A eles se seguem os que dão testemunho da constante presença consoladora da mulher que ama: o mundo é mais azul e mais terrestre / de noite, quando durmo / enorme, dentro de tuas breves mãos.

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